Há coisa de dias, conversava com o meu pai acerca do país, debruçado sobre um prato de bacalhau com natas. Não tinha espinhas. O país é que estava cheio delas. E daquelas bem difíceis de tirar da garganta. Há até quem fique com trauma de peixe. Falaremos disso numa outra ocasião.
Estava eu a dizer que conversava com o meu pai sobre o país. Falávamos da crise, das prisões preventivas, das prisões definitivas, dos direitos, dos deveres, da cidadania. Foi aí que as nossas sensibilidades de historiador – ele, historiador a sério; eu, um mero historiador de licenciatura – nos levavam a uma conclusão curiosa: pelo menos desde a aprovação da primeira constituição Portuguesa, isto é, desde o que é considerado por muitos como o início da época contemporânea Portuguesa, a nossa história tem-se feito sobre ciclos de 40 anos. De 40 em 40 anos, o país parece mudar. Parece querer mudar. Claro que esta cronologia, como aliás todas as outras, é fruto de uma abstração. É fruto de uma leitura. Mas a história também se faz de simbologia. É semiótica.
Atentemos então. O período que vai desde o êxodo da família real para o Brasil – processo esse que culminaria com a aprovação da constituição de 1822 – até à insurreição militar de 1 de Maio é de, sensivelmente, 40 anos. Nesses 40 anos, assistimos à reinvenção da monarquia, ao primeiro sufrágio directo em Portugal, ao surgimento de correntes liberais e do Setembrismo. Este período terminaria simbolicamente com a ascensão de Fontes Pereira de Melo. Convencionou-se chamar-lhe de Regeneração. Estávamos em 1851. Dívida, comboios e telégrafo. Modernização, como alguns lhe designaram. Certo é que este período viria a encerrar com a instalação da I República Portuguesa. 40 anos depois.
Perguntam-me: “mas a República não irrompeu só em 1910?” Sim e não. A República, na verdade, começa com o Ultimato britânico de… 1890. Exactamente 40 anos depois da Regeneração. É aí que verdadeiramente se inicia o descrédito da monarquia e se começa a falar da instalação de uma República. 1910 pode ser a data simbólica do novo regime. Mas 1890 representa, talvez, uma data política de maior relevo. Representa o virar de uma página que não voltou mais atrás.
Façamos nova conta. 1890 + 40 = 1930. Se lhe tirarmos quatro anos, estamos perante o golpe de Maio de 1926. Se lhe acrescentarmos dois, estamos perante o ano em que Salazar é proclamado primeiro-ministro e o projecto da nova constituição publicado. Uma e outra vez, é quatro décadas depois que Portugal se lê noutro virar de página. E quantos anos vivemos nós sob a ditadura do António? Mais 40, está claro. Na verdade, foram 48. 48 anos longos anos. Mas as quatro dezenas estão lá sempre. Persistentes. Resilientes. De ideias fixas.
Veio o 25 de Abril e com ele a liberdade, a democracia, os direitos. Veio também a Europa. Veio Schengen e a geração Erasmus. Veio o Euro. E veio a crise… 40 anos depois. O ano que agora termina marca precisamente os 40 anos do 25 de Abril. Abrir-se-á, com certeza, um novo ciclo na história de Portugal. Está-nos no sangue. Os sinais estão aí. Um redobrado descontentamento e contestação social. O aparecimento de novos partidos com expressão eleitoral. O enfraquecimento dos partidos de regime. Os movimentos sociais. Mas, também, os demagogos e a extrema direita.
Resta saber se nos vamos atirar para um neo-Estado Novo (que pleonasmo tão catchy) ou se vem aí uma verdadeira Regeneração, com ventos de Abril.
Períodos de 40 anos,ok,se quiseres. Mas aparecem sempre Salgueiros Maias que ficam em pé,em frente ao canhão,ouvindo a ordem de Fogo!.,e não se agacham… Portugal é o mais velho país da Europa. Sempre resistimos a invasões,ditadores,padralhada,Inquisições… Não temas,nós vamos aguentar-nos.
GostarGostar