Quando se passa o ano fora do país, passar uns dias junto da família e dos amigos ganha um significado especial. Se num passado mais ou menos recente esse “luxo” existia apenas durante o querido mês de Agosto, a verdade é que agora, recorrendo a uma complicada engenharia na escolha das datas de modo a evitar voos a preços absurdos, é mais fácil voltar durante uns dias a Portugal. Assim, como muitos outros portugueses emigrados que a tal se podem permitir, passei estes dias em Portugal, junto de família e amigos, muitos deles também emigrados, e em todos o estado de espírito era o mesmo – descrença e desesperança.
Apanhar um voo para Portugal nesta altura do ano é uma experiência estranha, onde muitos sentimentos se misturam. Os aeroportos acabam por se tornar num verdadeiro laboratório social, juntando histórias e experiências, sonhos e desilusões, angústias e felicidades. São também um retrato do nosso falhanço enquanto país nestes últimos anos, que culminou com a saída de mais de trezentos mil portugueses – cerca de 3%(!) da população portuguesa – nos últimos três anos, a grande maioria dos quais por não ter qualquer perspectiva de futuro em Portugal.
Sentado no aeroporto, pus-me a olhar e a escutar as pessoas à minha volta. À minha esquerda, um casal jovem, com uma filha ainda bebé que, pelo discurso, percebi serem funcionários das instituições europeias. À minha frente, um casal de idade, juntamente com a filha de meia-idade, aos quais não ouvi uma única palavra. À minha direita, um grupo de 15 jovens, todos com cerca de 30 anos, enfermeiros, seguramente transmontanos, que, entre cada história sobre a vida hospitalar, suspiravam por um qualquer prato tradicional. Atrás de mim, estava um daqueles grupos improváveis que se formam quando existe um objectivo em comum que obriga as pessoas a juntarem-se num mesmo sítio à espera. Embora não os pudesse ver, o grupo era constituído por um casal jovem de emigrantes de segunda geração com um filho recém-nascido, um casal emigrado há mais de 30 anos e uma senhora que contou a sua história de vida e me deixou a pensar nela toda a viagem. Não sei que idade teria mas, segundo ela, tinha já netos. Tinha e continuaria a ter – repetiu várias vezes que o patrão português lhe disse que sempre que quisesse voltar seria bem-vinda – um emprego fixo em Portugal que, no entanto, não bastava para pagar os custos que a sua filha mais nova tinha sendo estudante universitária. Assim, com mais de 60 anos, vira-se obrigada a deixar toda uma vida para trás, tornando-se governanta num país estrangeiro, de modo a permitir que a filha prosseguisse com os estudos.
Quantas histórias haverão iguais a esta? Quantos, jovens ou menos jovens, com ou sem curso superior, não foram obrigados – assim mesmo, obrigados – a deixar Portugal nos últimos anos? O que diz tudo isto sobre nós, enquanto país? Como poderemos, cidadãos que somos, continuar a encarar este facto como uma fatalidade? Este estado de espírito fatalista é particularmente acentuado nos que se mantiveram em Portugal. Posso contar com os dedos de uma mão as pessoas de entre os meus familiares e amigos que me dizem para voltar. Todos os outros me dizem para me deixar ficar por Bruxelas, “que isto aqui não tem volta que se lhe dê”. É esse desânimo, mais que tudo o resto, que me custa aceitar. Podem tirar-nos tudo, mas não deveriam poder tirar-nos a vontade. Para tal, é preciso que todos, emigrantes ou não, partam numa viagem que tenha um único destino: a Esperança.