Apresentado em quinze de Setembro e actualmente em fase de consulta pública, o Compromisso para o Crescimento Verde proposto pelo governo fixa treze objectivos para 2020 e 2030, bem como oitenta e três iniciativas em dez sectores. Este documento tem como objectivo “estabelecer as bases para um compromisso em torno de políticas, objetivos e metas que impulsionem um modelo de desenvolvimento capaz de conciliar o indispensável crescimento económico, com um menor consumo de recursos naturais e com a justiça social e a qualidade de vida das populações”. Sendo de louvar todos os esforços na defesa do ambiente e na promoção das boas práticas, sobretudo quando são traçados objectivos a médio prazo, concretos e mensuráveis, será que o crescimento económico, manifestamente importante, é verdadeiramente indispensável?
Há mais de setenta anos que crescimento e crescimento económico têm sido utilizados quase como sinónimos, ambos ancorados no conceito de produto interno bruto (PIB). Se é verdade que há vantagens na utilização do PIB como indicador de crescimento, nomeadamente a facilidade com que pode ser medido, é também verdade que o PIB, bem como o crescimento económico, pouco dizem no que toca ao verdadeiro desenvolvimento do país. As taxas de crescimento registadas nos diferentes países europeus num passado relativamente longínquo e às quais os diferentes governos sonham voltar, dificilmente se repetirão, independentemente das estratégias mais ou menos sub-reptícias utilizadas para passar uma imagem diferente, como a inclusão dos lucros obtidos através da prostituição e da venda de drogas. Assim, mais do que continuar a afirmar que o crescimento económico é indispensável, é talvez chegado o momento de avançar para a sua substituição, começando pela alteração do modo como se calcula e avalia o crescimento/desenvolvimento de um país, de maneira a que os factores sociais e ambientais sejam também incluídos.
No que diz respeito à relação entre os factores económicos e os factores sociais, é incomportável um indicador de crescimento que não inclua a distribuição dos rendimentos. Este aspecto é particularmente importante para o caso português onde a desigualdade entre os rendimentos tem vindo a aumentar. As consequências dessa desigualdade são várias, como por exemplo o aumento do índice de problemas de saúde e sociais ou ainda o aumento da percepção de corrupção, que tantas vezes é apontada como a causa principal de todos os problemas do país. Mais, como explica Tim Jackson no seu excelente livro/ensaio “Prosperidade sem crescimento” , o paradoxo da satisfação mostra que acima de um determinado valor de PIB per capita deixa de haver uma correlação entre esse valor e a felicidade e satisfação com a vida. Ou seja, um país pode registar crescimento económico e, nesse processo, ver a felicidade e a realização dos seus cidadãos ser reduzida, estando até a contribuir para o aumento dos problemas sociais e de saúde. Os factores ambientais estão também eles completamente excluídos no conceito de crescimento económico, sendo que não são raros os exemplos em que grandes acidentes e catástrofes ambientais contribuíram para o aumento do PIB e, por conseguinte, aumento do crescimento do país.
Paralelamente às diferentes propostas de desenvolvimento sustentável apresentadas, importa discutir novas métricas na medição do desenvolvimento do país. Note-se que existem vários indicadores alternativos ao PIB, como o PIB Verde ou o Índice de Desenvolvimento Genuíno, bastante desenvolvidos e que poderiam começar desde já a ser utilizados de forma oficial, podendo durante alguns anos ser usados em paralelo com o PIB. Esta alteração de paradigma dificilmente poderá ser realizada a nível nacional e assim, tal como em Bretton Woods em 1994, é necessário que os países se voltem a reunir à mesma mesa, discutindo e repensando o sistema económico-financeiro mundial. Tal conferência a nível europeu foi já proposta por Alexis Tsipras, aquando da sua candidatura a presidente da Comissão Europeia e seria certamente um primeiro passo importante.
Não negando a importância do crescimento económico, sobretudo num período de crise como o que Portugal actualmente atravessa, importa estudar caminhos alternativos a médio/longo prazo. O crescimento económico não pode continuar a ser o alfa e o ómega das políticas de desenvolvimento. Acima de tudo, importa combater as desigualdades e garantir a proteção do meio ambiente. No imediato, o crescimento verde é o melhor caminho a seguir. Devemos, no entanto, ser ambiciosos e apostar numa verdadeira mudança de paradigma, onde a prosperidade sem o crescimento económico seja uma realidade.
Manifesto aqui o meu apreço pelas palavras do Jorge Pinto. Mas pergunto-lhe: precisaremos de continuar a jurar pela «necessidade do crescimento económico»? Repare nesse documento do qual parte para as suas considerações: trata-se de um texto típico do actual sistema técnico-industrial que usa o «verde» como elemento de legitimação. As «reformas estruturais» deste governo estão todas orientada para a exploração intensiva de recursos, para uma mítica reindustrialização, sustentam a sociedade do automóvel, incrementam a agricultura industrial, defendem uma economia sustentada em lógicas globais que são, evidentemente, o oposto de economias verdes. A «transição para uma economia verde», nas palavras do «compromisso», é na realidade uma transição para uma economia global com ilhas verdes. A linguagem tecno-burocrática do documento revela que há um novo tipo de planificação estalinista, ou seja, de ficção sobre as ruínas, que é aquela que o capitalismo contemporâneo usa hoje para ocultar a sua situação entrópica. É preciso introduzir o debate sobre o decrescimento com coragem. O decrescimento rompe o laço cínico entre justiça sócio-económica e crescimento.
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Jorge, obrigado pelo seu comentário. Como terá reparado, o meu texto pretende precisamente criticar a “indispensabilidade do crescimento económico” referida no documento apresentado pelo governo. Não tenho qualquer dúvida que o nosso planeta tem recursos finitos e que será necessária uma grande mudança no modo como olhamos para os nossos hábitos. O que me custa aceitar é a grande oposição que existe entre os que acham que podemos continuar com o nosso modelo de crescimento actual, esperando uma qualquer solução milagrosa a médio prazo e os que acham que a única alternativa é uma mudança radical e imediata no sentido do decrescimento – e aqui confesso que embora goste da grande maioria das ideias defendidas por Serge Latouche, tenho algumas reticências em relação ao termo “decrescimento”.
De resto, concordo com o diz no seu comentário e acho que o debate que propõe deve ser tido. Na minha opinião, o caminho para uma prosperidade sem (a obrigatoriedade do) crescimento, mais do que através de uma mudança pontual, deve ser um processo gradual, que pode começar pela alteração do modo como o crescimento e, por conseguinte, o “sucesso” de um país é medido e também por medidas de “desmundialização”, como por exemplo através de políticas proteccionistas a nível europeu que garantam o respeito pelos critérios sociais e ambientais dos produtos importados.
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