Recuperar o Espaço Público

Os últimos 40 anos em Portugal caracterizaram-se por uma expansão urbana sem precedentes e consequente dispersão territorial. A forma como se proporcionou todo este processo está amplamente estudada e não pretendo fazer aqui nenhuma análise deste processo complexo, mas sim fazer uma avaliação de algumas das suas consequências.

Construiu-se muito em Portugal durante esse período. Demasiado, é certo. Com isso fizemos habitação de sobra, escolas, hospitais e outros equipamentos públicos, mas falhámos redondamente em traduzir esse crescimento no desenvolvimento de melhores cidades, com melhor integração e coesão ambiental e social, com o planeamento adequado. Permitimos ingenuamente que o impulso privado controlasse o processo, cedendo instrumentos para o efeito, como as operações de loteamento, e fomos permitindo um crescimento retalhado que se traduziu numa cidade fragmentada com espaço público de má qualidade.

Mapa

Sei que corro o risco de me acusarem de ser demasiado literal na apreciação do termo espaço público que vai além do espaço meramente físico, mas o que me interessa recuperar é a relação entre esse lado palpável e o espaço institucional e fluído que o André Barata refere no seu post anterior. Com a excepção dos centros históricos, que beneficiam do efeito turismo para a sua reabilitação, o espaço que sobra só para nós, degradado e disperso, só pode contribuir para uma deterioração da percepção que o cidadão tem em relação ao tal espaço público imaterial dos valores democráticos.

Ao mesmo tempo, o sector da construção que ruiu com a crise, encabeça as estatísticas da emigração e sai do país levando o conhecimento adquirido tão fundamental para a recuperação do nosso espaço comum. A renovação urbana, concentrada na oportunidade do edificado decadente dos centros históricos, tem sido apontada como bóia de salvação para o sector, mas existe muito mais trabalho para ser desenvolvido, principalmente fora dos centros históricos. Este investimento não poderá depender apenas do sector privado, mas podia ser fruto de um esforço conjunto entre este, o público e o terceiro sector, caso a caso. Alargando o espectro da renovação urbana ao restante território, poderíamos salvar mais emprego na construção e dar ao mesmo tempo a oportunidade ao sector de corrigir os erros que foi fazendo nas últimas décadas, começando pela rua e, quem sabe, acabando numa reestruturação profunda das nossas dispersas áreas urbanas e metropolitanas.

Um espaço público fluído, integrado e confortável é essencial para o exercício da cidadania, não apenas como último reduto do protesto e combate democrático, mas como forma de reabilitar a nossa sensação de pertença e propriedade ao que é colectivo. É urgente recuperar a rua, o prazer de a ocupar como local de encontro e permanência, para revalorizarmos a importância do nosso território comum que nos últimos anos tanto tem sofrido de abandono.

Autor: Eduardo Viana

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