Recuperar a Fraternidade

As razões da Revolução Francesa podem ser descritas pelo lema que dela surgiu e que perdura até aos dias de hoje: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. De modo a dar um carácter oficial ao mesmo, a Constituição da V República Francesa, de 1958, esclarece no seu artigo 2º que “La devise de la République est “Liberté, Egalité, Fraternité”.” A origem e evolução deste lema mostra também o evoluir da própria Revolução: antes de tudo a liberdade do jugo totalitário, seguido pela igualdade entre os cidadãos da República, que se devem guiar por princípios de fraternidade. É também curioso notar que, nos anos iniciais da República, houve versões do lema onde, às três palavras, era acrescentado “ou a morte”, tendo sido retirado ainda durante a década de 90 do século XVIII.

A diferença substancial que existe entre as obrigações de direito, de contracto e individuais – a Liberdade e a Igualdade – e a obrigação moral e comunitária – a Fraternidade – são alvo de discussão desde 1789, sendo que a inclusão da Fraternidade como um dos pilares da República nem sempre foi consensual. Note-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 inclui a liberdade e a igualdade, mas não tem qualquer referência à fraternidade. Agora que, como há muito não acontecia, se discute o papel do Estado no que toca à prática religiosa e à laicidade, importa recuperar o princípio da fraternidade.

A fraternidade, como descrita na Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão de 1795, corresponde ao princípio de “Não fazer aos outros o que não queremos que nos façam a nós”, bem como “fazer constantemente aos outros aquilo que querem receber em troca”. Se os princípios da Liberdade e da Igualdade são constantemente referidos e defendidos, a Fraternidade é muitas vezes deixada para segundo plano, sobretudo pela Esquerda, que nela vê os princípios morais muitas vezes associados à religião. Em entrevista na edição especial do Libération de 11 de Janeiro, em homenagem às vítimas do ataque ao Charlie Hebdo, o filósofo de religiões Abdennour Bidar pede que se assuma finalmente a fraternidade. Bidar, que em 2013 foi um dos redactores da carta da laicidade na escola, vai mais longe e desafia a Esquerda em França a criar um ministério da fraternidade, dirigido de forma colegial por representantes das diversas famílias culturais presentes no país: agnósticos, ateus e religiosos e de todas as cores e origens.

Importa pois trazer a debate o que é e o que deve ser a fraternidade, bem como discutir como pode o Estado ajudar no seu desenvolvimento. Pese embora o seu carácter estritamente moral, é importante que a Esquerda resgate o princípio da fraternidade que uniu aqueles que se opuseram ao absolutismo em França, do mesmo modo que uniu em Portugal os que se opunham ao fascismo, fazendo de Grândola a sua terra. Apenas com mais fraternidade conseguiremos uma consciência colectiva mais forte e mais interventiva, requisitos fundamentais na construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais igualitária.

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