A vitória do Syriza e os primeiros sinais da governação

A vitória do Syriza de Alexis Tsipras representa um virar de página na União Europeia. Pela primeira vez desde o início da crise em 2008, um país da União e da zona euro elege um governo anti-austeridade. Num ano com vários processos eleitorais para a escolha de novos governos, a vitória do Syriza terá certamente consequências. Aliás, as reacções de alguns dos actuais líderes governativos com o lugar em risco, como David Cameron e Passos Coelho, não se fizeram esperar. O que podemos então esperar desta vitória e o que nos dizem as primeiras decisões de Tsipras?

Com 149 lugares em 300, o Syriza ficou a 2 deputados da maioria absoluta pelo que, a fim de evitar novas eleições, teve que encontrar um parceiro governamental. Olhando para a distribuição dos lugares, apenas dois partidos se apresentavam como verdadeiras possibilidades, o “To Potami” e o “Anel”. Contrariamente ao que a grande maioria dos analistas previa, Tsipras optou pelo Anel, partido de direita, nacionalista, anti-austeridade, formado por dissidentes da Nova Democracia e com um historial de declarações xenófobas e homofóbicas. O agora ministro da defesa e líder do Anel, Pannos Kammenos, nem há dois meses sugeriu que os judeus na Grécia não pagavam os seus impostos.

Contrariamente a vários na esquerda em Portugal, tenho muita dificuldade em aceitar esta aliança. Concordo que o momento é delicado e que o combate à austeridade é a missão principal deste governo, o que pode fazer com que o consideremos como um governo de salvação nacional. No entanto, há linhas que não me parecem ultrapassáveis, e a xenofobia e homofobia estão entre elas. Mais, sabendo-se a presença que a extrema-direita tem nas forças armadas gregas, colocar alguém como Kammenos à sua frente pode ter efeitos secundários imprevisíveis. Outra das decisões tomada nestes primeiros dias de governação com a qual não posso, de modo algum, concordar, diz respeito ao número de mulheres no governo: apenas 6 em 39 e nenhuma como ministra.

A mensagem parece assim ser clara e ir ao encontro daquilo que Tsipras sempre prometeu: a austeridade é para ser combatida e o pagamento da dívida grega deve ser revisto. Nesse sentido, a escolha de Yanis Varoufakis como ministro das finanças deve ser vista com muito bons olhos. Este economista, que foi um dos subscritores do manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa e que participou no projecto Ulisses, tem vindo desde há muito a propor soluções para a reestruturação do pagamento da dívida grega. Outra decisão positiva em relação à organização do governo é a criação de um ministério da Restruturação da Produção, do Ambiente e da Energia, o que pode, assim espero, significar que Tsipras encara a saída da crise como uma oportunidade para a promoção de um desenvolvimento ecologicamente respeitador. Um dos “secretários de Estado” deste ministério, com responsabilidades na área de ambiente e energia é aliás do “Oikologoi Prasinoi”, partido ecologista grego, que concorreu conjuntamente com o Syriza. As decisões do novo governo também não se fizeram esperar: em dois dias de governação, o salário mínimo foi aumentado e foi aprovada a electricidade grátis para 300 mil cidadãos caídos nas malhas da pobreza. Foi também anunciada a suspensão do processo de privatização das eléctricas e o facilitamento do pagamento de impostos atrasados.

Nós, portugueses, mas também os restantes europeus, devemos seguir com atenção o evoluir da situação na Grécia. Provavelmente, nunca um governo europeu foi tão escrutinado como será o governo Tsipras. Mais do que nunca, é necessária a solidariedade a nível europeu de modo a, conjuntamente, sairmos da crise que atravessamos. Urge a realização de uma conferência europeia entre credores e devedores para a resolução da dívida e o governo grego pode ser preponderante na convocação da mesma. Estou seguro que apesar dos erros cometidos e de todos os erros que este governo certamente cometerá, a vitória do Syriza foi o melhor que poderia ter acontecido para a Grécia e para a União Europeia. O primeiro passo foi dado, compete-nos agora a nós seguir a caminhada.

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