Redistribuição, precisa-se!

Os dados recentemente publicados pelo INE sobre os níveis de pobreza e desigualdade confirmam o que já se vinha suspeitando: três anos de uma intensa política de austeridade levaram a que Portugal recuasse uma década. A percentagem da população a viver abaixo da linha de pobreza voltou a espreitar os 20% e a afetar um quarto dos jovens e crianças. Se os valores tiverem como referência a linha de pobreza de 2009, verifica-se que praticamente um terço da população jovem e infantil vive em famílias pobres. No que diz respeito à desigualdade, os valores retomam os números de 2005, por exemplo, neste ano o rácio entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres cifrava-se nos 11.9, atualmente corresponde a 11.1. Depois de anos continuados em que o país viu o seu produto mirrar consecutivamente, assiste agora à comprovação de que o seu nível de bem-estar e de coesão social decresceu decisivamente. Os efeitos dos cortes nos salários, nas pensões e nas prestações sociais, associado ao aumento do desemprego para valores nunca vistos, provocaram um impacto muito profundo nas estruturas sociais da sociedade portuguesa: esta não só conheceu um empobrecimento e uma vulnerabilização profundas, como uma maior polarização social entre as classes mais privilegiadas e as restantes.

Face a estas tendências regressivas, deverá ser equacionada uma resposta política corajosa, que, pela primeira vez, aplique um conjunto de medidas diversificadas que combatam em simultâneo a pobreza e a desigualdade. Nenhum governo português aplicou uma verdadeira política redistributiva definida a partir de um mix de medidas que enfrentassem de vez estes problemas. Na verdade, o que tivemos no passado foi o desenvolvimento de importantes instrumentos de combate à pobreza (RSI, CSI), mas que não se fizeram acompanhar de políticas de ataque à desigualdade.

Como demostram as linhas programáticas apresentadas pela candidatura cidadã Tempo de Avançar, é necessário conceber um conjunto diversificado de políticas que combatam em várias frentes estes flagelos sociais. Neste sentido, é importante equacionar uma política fiscal mais progressiva sobre todas as fontes rendimento (trabalho, capital e património). Uma política redistributiva que incida simultaneamente no aumento do salário mínimo, na diminuição da dispersão do leque salarial (aplicando, por exemplo, um rácio máximo de desigualdade) e no decréscimo semanal das horas de trabalho. Uma política que alargue os apoios sociais e estenda o princípio do complemento de rendimentos a famílias pobres com dependentes a cargo. Uma política que a prazo equacione a possibilidade de aplicação de um rendimento básico tendencialmente incondicional. Será necessário muita determinação para empreender este programa igualitário em Portugal. Muitas destas propostas não são de simples execução e dependem de um trabalho técnico muito aprimorado. No entanto, mais relevante neste momento é estipular as orientações fundamentais pelas quais se deverão trilhar os passos de uma social-democracia avançada.

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2 thoughts on “Redistribuição, precisa-se!

  1. Sinceramente, parece-me que sem a coragem de implementar um Rendimento Básico (totalmente) Incondicional todas as políticas, por mais bem intencionadas que sejam, esbarrarão sempre em interesses pontuais, quer de circunstância quer de grupos de poder. Dito de outra forma, o RBI é o instrumento único e último da libertação económica, social e cultural do Homem, como preconizou Agostinho da Silva.
    Teremos a coragem?…

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