Por um Green New Deal Europeu

A saída da crise que o continente europeu atravessa deve fazer-se em duas fases. Em primeiro lugar, é essencial a rejeição da austeridade cega, que tem no tratado orçamental um dos seus expoentes, e que mais não tem feito que contribuir para o aumento das desigualdades e da pobreza, tendo também, como efeito secundário, o aumento do sentimento anti-europeísta. Seguidamente, é necessário um plano ambicioso e sério de relançamento dos países da União. Tal plano faz muito mais sentido à escala europeia e deve, forçosamente, desafiar alguns dos paradigmas actuais, devendo a esquerda europeia ter um papel de destaque na sua concepção. Que formato poderá então ter tal programa?

A principal resposta à grande depressão americana foi o New Deal do presidente Roosevelt, apresentado em 1933 e que, de modo muito sintético, consistia numa série de programas de investimento e criação de emprego, levados a cabo por diversos organismos públicos. Se é verdade que a simples cópia do modelo americano de 1933 não faria sentido na Europa em 2015, é também verdade que há muitos pontos em comum no diagnóstico da crise, pelo que haverá também muitos pontos em comum na solução e consequente relançamento das economias europeias. Um New Deal renovado, à escala europeia e assente em princípios de sustentabilidade ecológica e social, apresenta-se como uma alternativa e um caminho que deve ser seguido para ajudar a Europa a sair da crise em que se encontra.

Num planeta de recursos finitos, não faz sentido fazer do crescimento económico o alfa e o ómega das políticas públicas e nem este pode ser visto como indispensável. A transição para uma sociedade que tenha como objectivo o aumento da prosperidade em lugar do crescimento económico pode, no entanto, fazer-se tendo fases de crescimento (verde) que deverão preparar os países para a não dependência desse mesmo crescimento. No caso português, em que se poderia traduzir um Green New Deal? Há três áreas essenciais e prioritárias e sobre as quais este plano se deveria debruçar:

  1. Alimentação/Agricultura e pescas: Em relação à agricultura, devem ser criados planos de incentivo à agricultura biológica, em oposição à agricultura intensiva, responsável por enormes impactos ambientais. Devem também ser melhorados os apoios à agricultura cooperativa e familiar, que representa o meio de subsistência de muitas famílias sendo, muitas vezes, o único garante contra a pobreza. Estes investimentos promoveriam a fixação da população no interior do país e contribuiriam para o aumento da segurança alimentar nacional e europeia.
    Portugal tem uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, da qual não tira todo o benefício possível. Para além da frota pesqueira nacional, também o modo como olhamos o oceano deve ser renovado. O número de reservas marinhas, bem como as áreas protegidas, deve ser aumentado, de modo a garantir-se a renovação dos stocks de pesca. A “economia azul” pode também ser ajudada através de uma aposta na investigação científica, área na qual Portugal pode tornar-se uma referência a nível mundial.
  2. Transição energética: O investimento na produção de energia através de fontes renováveis deve ser continuado. O Estado deve assegurar a transição energética de combustíveis fósseis para fontes renováveis, dando os incentivos necessários. A microgeração descentralizada deve ser incentivada, de modo a que cada cidadão possa ser um produtor de energia. Sendo um plano a nível europeu, Portugal deve voltar a insistir na promoção de uma rede eléctrica europeia, de modo a que a electricidade produzida a partir de fontes renováveis na península ibérica possa chegar ao centro da Europa. Para tal, será necessário definir metas vinculativas para a interligação das redes nacionais.
  3. Reabilitação urbana: O sector da construção civil foi dos mais afectados com a crise, atirando centenas de pessoas para o desemprego. Paralelamente, as principais cidades portuguesas têm os seus centros urbanos abandonados, sendo inúmeros os edifícios devolutos. Os edifícios portugueses têm também registos de eficiência energética muito baixos. Sabendo-se que, a nível europeu, os edifícios são responsáveis por 40% do consumo energético e 36% das emissões de CO2, existe aqui uma excelente oportunidade para reabilitar os centros urbanos, bem como para promover o aumento da eficiência energética nos edifícios portugueses e europeus, contribuindo para melhorias não apenas a nível ambiental, mas também a nível de custos com aquecimento e arrefecimento.

Um Green New Deal europeu é a resposta adequada para o relançamento da Europa após a crise. Os Estados, tanto pelo investimento público, como pela capacidade legislativa, têm um papel preponderante a desempenhar. A contratação pública verde pode ter um papel fundamental na transição para uma sociedade mais próspera. Basta de austeridade cega e de políticas imediatistas. É chegado o momento de pensar em políticas a médio e longo prazo, que criem empregos sustentáveis e que permitam que a Europa se volte a levantar, mas que o faça de modo ecológica e socialmente responsável.

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3 thoughts on “Por um Green New Deal Europeu

  1. De acordo com as linhas gerais do artigo. Apenas algumas notas:
    1- É absolutamente decisivo frisar a finitude dos recursos do planeta. Continua a haver muito discurso político baseado no “crescimento económico e na criação de emprego” que só seria possível se os recursos fossem ilimitados.
    2- Trocaria o indicador “prosperidade” pela “FIB”, felicidade interna bruta. Se o objectivo não é aumentar o lucro, não faz sentido medir o bem-estar das populações por ele.
    3- A agricultura biológica, tal como está actualmente legislada pela UE, representa um passo em frente relativamente à agricultura convencional, de carácter intensivo. Mas pode não ser suficiente para assegurar o equilíbrio dos ecossistemas.
    4- Ao nível da transição energética, o governo português já deu um passo muito importante (não se consegue falhar sempre!…) com a publicação do DL153/14 sobre produção e auto-consumo de energia eléctrica. Estando os preços destes sistemas a baixar, é já hoje possível, caso haja espírito cooperativo, adoptar estas soluções a um nível comunitário, por exemplo, nos condomínios urbanos ou, à semelhança do que já começa a ser visto regularmente no norte da Europa, através de cooperativas de produção eléctrica de âmbito regional.
    Creio que a saída desta desUnião pode ser por aqui, assim haja vontade política.

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    1. Olá João, obrigado pelo comentário, com o qual concordo. Há algumas semanas escrevi um artigo onde me debruço mais sobre a oposição crescimento/prosperidade: https://oirrevogavelblog.wordpress.com/2015/01/12/a-indispensabilidade-do-crescimento-economico/.

      Tenho algumas dúvidas em relação ao ponto 2: poderias desenvolvê-lo um pouco mais?

      Quanto ao ponto 4, concordo contigo. Em relação à interligação das redes, o primeiro-ministro chegou até a dizer que não assinaria um documento em que as metas não fossem vinculativas, o que, infelizmente, acabou por não acontecer, muito por pressão da França e da Polónia. Quanto às cooperativas, assim espero. Resido na Bélgica e o meu fornecedor de electricidade é uma cooperativa (da qual os clientes devem obrigatoriamente fazer parte) e que fornece apenas electricidade limpa. Caso esteja interessado, podes encontrar mais info aqui: http://www.energie2030.be/en/. Tanto quanto sei, a Coopérnico está a pensar vender electricidade num futuro próximo, mas não sei em que moldes.

      Um abraço,
      Jorge

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