A rejeição e os comentários, alguns a roçar o insulto, surgidos com a possibilidade de Sampaio da Nóvoa se apresentar como candidato à presidência da República, são mais um episódio do afastamento entre os partidos políticos e os cidadãos. Note-se que as críticas mais azedas partiram de militantes partidários que têm, ou já tiveram, responsabilidades políticas. Para além do facto de, como disse uma amiga, em Portugal a intelectualidade ser quase utilizada como um insulto, não deixa de ser chocante a repulsa que a maioria dos aparelhos partidários sente pela abertura e pela participação de independentes na vida política nacional. Com a sucessão destes episódios e a recusa dos partidos em abrir-se verdadeiramente à sociedade, o risco de uma ruptura séria ou do surgimento de um qualquer D. Sebastião torna-se uma realidade.
Os sinais do afastamento entre os cidadãos e os partidos políticos têm vindo a ser dados. Pese embora nos últimos meses tenhamos assistido a tentativas ou ao nascimento efectivo de novos partidos, os níveis de abstenção eleitoral têm vindo a aumentar constantemente. Mais, na últimas eleições autárquicas, onde os cidadãos não precisam de integrar um partido para se candidatarem, o número de candidaturas cívicas foi elevado e teve como ponto alto a eleição do independente Rui Moreira para a câmara do Porto. Uma parte do bom resultado alcançado por Fernando Nobre nas últimas eleições presidenciais pode também ser atribuída ao facto de ser um candidato independente, sem qualquer vínculo partidário. Mais recentemente, nas eleições regionais na Madeira, e considerando as devidas diferenças, o partido Juntos Pelo Povo, originalmente movimento de cidadãos criado para concorrer às eleições autárquicas no município de Santa Cruz, obteve mais de 10% dos votos, tornando-se na quarta força do arquipélago. Não faltam pois sinais de que os cidadãos estão desejosos de mudar e de participar mais activamente na política do país.
Acredito nos partidos políticos. Acho que são essenciais ao funcionamento democrático de um país. Acredito também na democracia representativa, que me parece ser o modelo de representação mais equilibrado. Recuso, no entanto, que a democracia representativa se resuma ao voto nos nossos representantes de tempos a tempos, em listas organizadas exclusivamente dentro das sedes partidárias. Como se podem então os partidos abrir à sociedade? Em primeiro lugar, permitindo que os seus apoiantes escolham os seus candidatos, seja pela alteração do método de voto, permitindo o voto preferencial dentro de uma lista, seja através de eleições primárias abertas. Em segundo lugar, é preciso que haja uma interacção real entre os partidos e os seus militantes e simpatizantes, dando a estes o poder de participação, nomeadamente na definição programática, capacitando-os de modo a que se tornem actores e não apenas espectadores.
A cidadania e a participação política são indissociáveis. A História tem-nos mostrado que quando os cidadãos abdicam da participação política activa, arriscam perder os seus direitos de cidadania. A onda de descontentamento e de descrença em relação aos partidos que se verifica um pouco por toda a Europa deveria preocupar-nos a todos. Apenas uma simbiose entre os partidos políticos e a sociedade pode garantir o bom funcionamento da democracia. Os perigos são reais e o desafio é fácil de enunciar: ou os partidos se abrem, ou então arriscam-se todos a encerrar.