A vitória do Syriza nas eleições gregas de há quatro meses foi a primeira pedra lançada ao calmo charco do unanimismo da austeridade europeia. As reações não se fizeram esperar e, habituados que estavam ao seguidismo da política única da austeridade cega, vários líderes europeus – com o português e espanhol à cabeça – apressaram-se a tentar conter as ondas de esperança que se foram propagando. Desde o conto de crianças de Passos Coelho até às várias declarações do ministro das finanças alemão, a última das quais sobre a possibilidade de um referendo sobre a permanência da Grécia no Euro, é quase chocante o modo como os líderes europeus se regozijam com as dificuldades sentidas pelo Syriza em implementar o seu programa de governo. Para que o charco não volte à apatia imóvel, é preciso que mais pedras sejam lançadas e que as ondas de choque não parem. Portugal pode ser essa próxima pedra.
O que acontecer na Grécia até outubro será de extrema importância para Portugal. O sucesso – ou insucesso – das negociações do governo grego com os credores internacionais, nomeadamente com o eurogrupo e com a Comissão Europeia, terá uma enorme influência no voto dos portugueses nas eleições legislativas de outubro. A coligação PSD-CDS, que integra a mesma família política que a Nova Democracia, partido que infligiu medidas de austeridade duríssimas na Grécia, espera, com visível impaciência, por um desaire nas negociações. Tal falhanço grego poderia revelar-se um trunfo de última hora a ser jogado pela coligação, argumentando que, afinal, existe mesmo um só caminho. O PS, por seu lado, tão afoito a celebrar a vitória do Syriza, parece agora esperar que este limbo em que as negociações se encontram aguente pelo menos até à data das eleições. Se não é, de modo algum, positiva a capitulação do governo grego, um sucesso claro poderá também não ser, uma vez que o PS, constantemente agarrado à ambiguidade, não consegue ter uma posição clara contra a austeridade nem contra o espartilho do tratado orçamental. O PS parece pois encontrar-se numa posição em que não está sequer convencido de querer o sucesso do Syriza, em mais um sinal da sua ambiguidade em relação ao combate à austeridade.
Tornam-se portanto necessárias alternativas de governo, que possam romper com o ciclo de austeridade. Estas alternativas têm que ser claras nos seus princípios e não podem ter medo de enfrentar o unanimismo reinante nas instituições europeias. Em Espanha, a falta de clareza em relação a alguns aspetos ideológicos, fez com que o Podemos acabasse por, involuntariamente, ajudar ao crescimento do Ciutadans, partido que tem bem menos problemas com a austeridade. A clareza do discurso impõe-se e é imperativo que, paralelamente à ação interna, os partidos que se comprometem em lutar contra a austeridade, se comprometam também a tentar alterar por dentro as instituições europeias, essa “Europa” ou essa “Bruxelas”, conceitos tão ambíguos que na maior parte das vezes mais não são que o reflexo dos governos nacionais. Apenas uma reforma a nível europeu será uma pedrada suficientemente forte para agitar as águas em permanência. Seremos essa pedra?