Eu não sei o que vocês fizeram no verão passado, mas sei o que Marine Le Pen e Geert Wilders tentaram fazer. E só demorou um ano até conseguirem. A extrema-direita tem desde ontem o seu grupo no Parlamento Europeu, Europa das Nações e das Liberdades de seu nome.
O número mínimo de 25 eurodeputados nunca foi um problema. Só a Frente Nacional tem 23, ainda que 3 deles (incluíndo Le Pen pai, caído entretanto em desgraça) fiquem fora desta aventura. Faltava conseguir representantes de 7 Estados-membros, o grande obstáculo em 2014. Ironia das ironias, foi uma súbdita de Sua Majestade, a dissidente do UKIP Janice Atkinson, a viabilizar um sonho antigo dos nacionalistas franceses.
Ainda que em diferentes estirpes, a direita radical tem agora um quarto na casa da Democracia europeia. E isso significa tempo de palavra, lugares de destaque nas comissões do Parlamento Europeu e dinheiro. Muito dinheiro. Depois dos rublos de Putin, a dupla Le Pen Wilders vai agora deitar mão a milhões de euros dos contribuintes europeus em subvenções.
Mas embora os noivos estejam ainda a descer a escadaria da igreja, são já muitos a dizer que o casamento não vai durar. Que dentro de pouco tempo andarão novamente à bulha uns com os outros e que esta Europa das Nações e das Liberdades será tão efémera como os seus antecessores. Basta lembrar o que aconteceu em 2007 com Identidade, Tradição e Soberania.
Ao longo dos anos, o Parlamento Europeu tem sido um laboratório para as experiências de agregação do nacionalismo eurocéptico. E é verdade que quase sempre as coisas correram mal. Desentendimentos ancorados em conflitos históricos e tensões motivadas por cruzamentos étnicos entre fronteiras nacionais comprometeram de forma recorrente a sua unidade em Estrasburgo.
No entanto, há pelo menos um dado novo nesta nova formação: o pragmatismo de Le Pen e Wilders, conscientes do poder de fogo que este acordo lhes empresta. O apurado sentido estratégico desta dupla improvável que, por si só, recomenda alguma prudência nas previsões.
Ao mesmo tempo, também é arriscado dizer que este passo marca o ressurgimento da extrema-direita no velho continente.
Mais do que afinidade ideológica, o voto nas eleições europeias de 2014 foi um voto em quem escolheu enfrentar o debate falando do projecto europeu. Contra ele, mas apresentando uma visão sobre a Europa aos eleitores. Uma lição que muitos que se dizem europeístas ainda não aprenderam: a direita nacionalista não se derrota com a utilização de rótulos anacrónicos nem com a imposição de cordões sanitários (que seriam, aliás, contrários aos valores de quem repudia a direita radical de Le Pen e Wilders).
Esse combate faz-se no plano das ideias e dos argumentos. Faz-se recordando aos cidadãos europeus que a União Europeia continua a ser um dos principais pilares do maior período de paz e proposperidade (cada vez mais desigualmente) partilhada na Europa.
Texto de José Costa