Vivem-se tempos conturbados na Turquia. Desde o surpreendente resultado das eleições de junho, que não deram ao AKP a maioria dos assentos parlamentares, o governo turco acelerou a sua deriva autoritária. Não satisfeito com o resultado e vendo-se na impossibilidade de formar governo, o partido conservador de Recep Erdogan optou por reacender conflitos internos, esperando obter melhores resultados nas eleições antecipadas que se realizaram no passado dia 1 de novembro. A estratégia do medo funcionou mas não tão bem como o AKP teria desejado: recuperou a maioria dos lugares no parlamento, o que lhe permitirá governar o país sozinho, mas não conseguiu impedir a entrada do HDP (partido pró-curdo e pró-minorias) que, pela segunda vez e embora tendo perdido bastantes votos, conseguiu superar o anti-democrático limiar de 10% dos votos.
Com a nova disposição parlamentar não será possível aprovar a mudança constitucional desejada por Erdogan, de modo a transformar o país num regime presidencial; mesmo a convocação de um referendo onde tal mudança possa ser aprovada está dependente do voto de deputados que não pertençam ao AKP. O aumento do autoritarismo no país tem vindo a aumentar gradualmente nos últimos anos, com vários momentos-chave, como a repressão aos manifestantes na praça Gezi em 2013. Apesar disso, Erdogan conseguiu há dois anos um cessar-fogo com o PKK curdo, colocando parênteses num conflito de décadas. Infelizmente, a ação de força após as eleições de junho reacendeu o conflito e o cessar-fogo foi já anulado, o que levará certamente ao reacender do conflito, com todas as consequências que isso implica.
A Turquia, Estado-Membro da OTAN e há vários anos candidata à adesão à UE, é um parceiro fundamental dos países europeus. Apesar disso, os países europeus não podem fechar os olhos ao que se está a passar no país, seja por razões económicas, seja por razões políticas, como em relação às questões ligadas ao acolhimento dos refugiados de guerra. A atuação dos agentes políticos europeus tem, no entanto, sido em sentido contrário. Angela Merkel, desde sempre cética em relação à adesão da Turquia à UE, fez uma visita de Estado ao país pouco antes das eleições de novembro, onde mostrou vontade de acelerar o processo de adesão, no que pode ser entendido como um apoio tácito a Erdogan e ao AKP. Mais, o relatório sobre a evolução da candidatura do país à UE – extremamente crítico em relação à limitação das liberdades individuais e à liberdade de imprensa – que deveria ter sido publicado antes das eleições, foi apenas conhecido alguns dias depois.
Uma Turquia democrática e plural tem que ter lugar na União Europeia. Tivesse esse lugar sido concedido há mais tempo e provavelmente não veríamos agora estações de televisão e jornais a ser encerrados à força nem jornalistas a ser detidos. Tivesse a União Europeia sido mais acolhedora e talvez não tivéssemos visto imagens de corpos de curdos a ser arrastados por camiões blindados do exército nem cidades em estado de sítio, como Silvan no dia de hoje, com recolher obrigatório de 24 horas. A Turquia, apoiada no seu crescimento económico e pelo papel que tem desempenhado no acolhimento de refugiados, continuará o seu jogo diplomático. Antalya será entre os dias 15 e 18 deste mês palco da conferência do G20, onde dificilmente serão abordados os problemas de democracia no país. A UE, que tanto se tem afastado dos seus princípios fundadores, não pode abdicar do seu papel na defesa da democracia e dos direitos e garantias individuais. Assim, deve ter uma posição clara em relação ao que se passa atualmente na Turquia, mostrando-se honestamente aberta à sua adesão. Caso contrário, o país continuará a estar tão perto mas ao mesmo tempo tão longe.