Quando me comecei a interessar por política, algures no início da minha adolescência, lia com admiração imensa os relatos de várias lutas passadas que tinham marcado várias gerações. Naquela altura era a causa timorense que unia os portugueses e ficará para sempre na minha memória a manifestação organizada em frente à embaixada indonésia em Madrid, em setembro de 1999, que juntou pessoas de todo o país, dos mais novos, como eu, aos mais velhos. Em casa ia vasculhando livros dos meus pais, retratos da sua juventude. De “As portas que Abril abriu” aos discursos de Samora Machel reunidos em “A luta continua”, tentava absorver ao máximo todas as palavras, incluindo as que não entendia e que à época eram bastantes. Quanto mais lutas conhecia, mais invejava a geração dos meus pais pelo Maio de 68, pelas lutas anticolonialistas, pelo 25 de Abril.
Apaixonado por todas essas lutas, ficava triste por achar que nunca a minha geração teria a sua Sierra Maestra, as suas barricadas ou, num registo bem mais pacífico e mais próximo, as suas grandes lutas estudantis que alguns anos antes haviam levado tantos jovens às ruas. De certo modo, invejava essa geração rasca, pela sua coragem e atrevimento desafiador, esperando mobilizações semelhantes para a minha própria geração. As batalhas contra a invasão do Iraque apanharam-me a meio da minha adolescência e ainda longe dos locais das manifestações e quando a nova geração à rasca saiu à rua, já eu tinha saído do país. Durante muito tempo achei que a minha geração estava condenada à não-história, a ser apenas uma geração de transição. Longe estava eu de imaginar que afinal a realidade seria bem diferente.
Aqueles que como eu nasceram e cresceram numa comunidade europeia sem fronteiras não conseguem imaginar uma Europa de muros e de portas fechadas. As mulheres e homens das gerações Erasmus repugnam a ideia de um país orgulhosamente só. Pelo contrário, como nunca antes, os portugueses olham com atenção e interesse para o que se passa nos restantes países da União. Após os ataques em Paris, muitos de nós pensaram nos seus amigos que aí residem, portugueses ou não. Do mesmo modo, quando algo acontece em qualquer outro país europeu, é bastante comum alguém ter amigos ou conhecidos nesse país. E este é um sentimento recíproco pois nas últimas semanas foram várias as mensagens que recebi a pedir uma explicação para o que se estava a passar em Portugal após as eleições.
A minha geração, a que o Libé chama hoje na sua capa de geração Bataclan, festiva, aberta e cosmopolita, tem pela frente um desafio imenso. De um lado, aqueles que pelo medo e pelo terror nos querem forçar a alterar o nosso modo de vida. Do outro, os governos que pela força e pelo poder nos querem isolar dos restantes países, atacando assim a nossa liberdade. É contra estes dois extremos que temos que agir antes que seja tarde demais. Esta é uma luta de todas as gerações mas a minha tem uma obrigação especial pois este foi o país e a Europa que os nossos pais conseguiram construir e compete-nos conseguir a sua manutenção e melhoria. Será uma luta difícil de ganhar mas para quem, como eu, achou que a história não precisaria desta geração, este é desafio pelo qual esperávamos. Pela defesa da democracia e da liberdade todas as vozes contam. Que sejamos muitos e que saibamos estar à altura das nossas responsabilidades.