Da necessidade e da violência

No seu ensaio L’été, Albert Camus, após relatar um combate de boxe, refere que ali a simplificação é fácil: o bom e o mau, vencedor e vencido. Continuando, refere que em Coríntia, na Grécia Antiga, o templo da necessidade era vizinho do templo da violência. Na eleição para presidente da República do próximo dia 24 também haverá apenas um vencedor. Mas serão muitos os vencidos. Se as sondagens que têm vindo a público se confirmarem, Marcelo Rebelo de Sousa, o político-professor-comentador, poderá ser eleito logo à primeira volta. Os derrotados não serão apenas os seus nove adversários mas também todos os que se empenharam e empenham no apoio a um governo apoiado por toda a esquerda parlamentar. Forçar uma segunda volta e tentar eleger um presidente apoiado pela esquerda é uma verdadeira necessidade. Chegou pois o momento de recorrer à “violência”.

Uma nota prévia: quando neste texto me refiro a violência, não o faço, logicamente, no sentido de agressão, mas sim no sentido da veemência argumentativa. Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), contrariamente aos restantes candidatos a PR, beneficiou de um palco privilegiado, tendo tido assento semanal como comentador televisivo durante quinze anos. Deste modo, não é de estranhar o facto de abdicar de outdoors e, no fundo, de abdicar de fazer campanha. Confiante de que a sua popularidade bastará para ganhar a eleição – e não se inibindo de afirmar que será PR dentro de poucas semanas – MRS, no seu habitual estilo bonacheirão, pouco mais tem feito que distribuir alguns sorrisos e ir aparecendo. A comunicação social, que poderia ter um papel importante na promoção das ideias dos vários candidatos, parece já ter escolhido quem será o futuro PR, não se coibindo de apoiar, por vezes de forma bastante clara, o candidato MRS.

Restam menos de três semanas para as eleições presidenciais. Após dez anos de Cavaco Silva como presidente, tornou-se claro o papel e a importância que um PR pode ter. Esta não é apenas mais uma eleição, por mais que se tente passar essa imagem. É preciso que antes de eleger um Presidente da República se perceba claramente o que este pensa, de modo a antecipar como agirá assim que chegar a Belém. E é esta a violência necessária. É fundamental que a campanha eleitoral exista de facto. Se a comunicação social tenta fazer desta campanha um passeio para MRS, compete aos restantes candidatos obrigar Marcelo a dizer o que pensa. Marisa Matias, no debate que recentemente teve com MRS, foi a primeira a encostar o candidato às cordas, forçando-o a explicar os seus comentários em relação à despenalização da IVG e em relação ao BES.

Portugal é hoje um país socialmente diferente. Depois das eleições legislativas do passado dia 4 de Outubro, que deram uma clara maioria às forças de esquerda, a eleição do PR deveria ser a continuação da expressão dessa alteração. MRS sabe-o muito bem e como tal expõe-se o mínimo até dia 24, onde aposta tudo numa vitória à primeira volta. Sampaio da Nóvoa é o candidato com mais hipóteses de passar a uma eventual segunda volta e é sobretudo o que mais facilmente poderá agregar o voto de toda a esquerda. A sua derradeira oportunidade será no debate com Marcelo Rebelo de Sousa onde terá que conseguir mostrar por que é não apenas o melhor candidato mas sobretudo o melhor Presidente que Portugal pode ter neste momento. O combate pode parecer ganho mas, tal como no boxe, só acaba quando o gongo sonar. E por vezes pode-se até cair ao tapete várias vezes e ainda assim ser-se vencedor por poucos pontos.

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