Graças ao relatório científico publicado pelo NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) no passado dia 20, ficamos a saber que o ano de 2015 bateu todos os outros, tornando-se no ano mais quente desde que há registos. Sendo esta informação o suficiente para nos inquietarmos, o facto de o anterior máximo anual ter sido registado no ano de 2014 e de 15 dos 16 anos mais quentes terem sido registados desde 2001, prova que há uma tendência acelerada e constante de aumento da temperatura média mundial. Se é verdade que uma parte da responsabilidade do aumento da temperatura no ano de 2015 pode ser atribuída ao facto de o fenómeno do El niño ter sido um dos mais intensos das últimas décadas, os cientistas são unânimes ao atribuir às acções antropogénicas a quota principal dessa responsabilidade. Por entre conflitos, crises financeiras e outros problemas que abalam o mundo, a crise climática não tem recebido a atenção necessária. E isso coloca-nos a todos em risco.
Com a revolução industrial e o triunfo dos combustíveis fósseis, o mundo entrou numa nova fase. A qualidade de vida a nível global melhorou e a população foi aumentando, perpetuando assim a necessidade de cada vez mais combustíveis. Quando o petróleo começava a faltar, logo se desenvolviam tecnologias para perfurar em maior profundidade. O papel que a utilização de combustíveis fósseis – da sua extracção à combustão – tem no aquecimento global e nas alterações climáticas é conhecido há vários anos. Apesar disso, as fontes energéticas alternativas e renováveis tardam em se afirmar, fruto de um lobby dos combustíveis fósseis muito poderoso mas sobretudo fruto da necessidade constante de mais energia, associada a um modelo de globalização que não considera os factores ambientais (nem os sociais, diga-se). São pois estas as razões principais da contribuição humana para as alterações climáticas: um modelo capitalista assente na ausência de fronteiras e na redução ao máximo de custos – não internalizando os custos sociais e ambientais no produto final – e um modelo de desenvolvimento assente na obsolescência programada, na necessidade constante de consumo e de crescimento económico.
Foi com o objectivo de obter um acordo global que pudesse limitar as alterações climáticas que quase 200 líderes mundiais se juntaram no final do ano passado na COP21, em Paris. Sendo de louvar o facto de se ter conseguido um acordo – algo que vinha falhando em cimeiras anteriores – e de se apontar para um aumento máximo de 1,5ºC da temperatura média global, torna-se cada vez mais claro que um acordo de boas vontades não chegará para cumprir esse objectivo. Os mais afectados serão, como até aqui, os mais frágeis e mais pobres. Isto aplica-se tanto ao nível dos países – os mais pobres terão menor capacidade de responder aos desafios que lhes serão colocados – como ao nível das diferentes comunidades dentro de um mesmo país – os mais pobres serão empurrados para locais mais susceptíveis de ser afectados. O tempo começa a ser escasso e serão precisos líderes à altura do desafio e capazes de desafiar o status quo. As decisões não serão fáceis mas terão que ser tomadas, de forma democrática e negociada.
É errado pensar que eventuais melhorias ao nível tecnológico poderão vir a remediar o que temos feito de errado, mitigando a nossa responsabilidade. Soluções mais ou menos faraónicas como a geo-engenharia ou os sorvedouros de carbono não devem servir como justificativo para não se tocar no modelo de desenvolvimento actual. Dificilmente o capitalismo desregulado será compatível com um modelo de desenvolvimento sustentável assente na prosperidade partilhada. É esta a ferida que importa tocar e é este o debate que deve assumir a ordem do dia. À era do capitalismo iniciada pela revolução industrial deve suceder uma nova era, pós-capitalista, com visão de longo prazo e não imediatista. A “desglobalização”, na qual as populações consigam manter a qualidade de vida e na qual os que actualmente são mais afectados passem a ter direito a melhores condições, tem que ser uma discussão em cima da mesa. Trata-se, no fundo, de um regresso ao consumo local e ao circuito curto, dando as necessárias garantias sociais aos trabalhadores e garantindo a protecção ambiental e ecológica. Os Estados devem apoiar o sector cooperativo como um actor preponderante nesta nova era onde todos consigam ter padrões elevados de qualidade de vida, consumindo menos e melhor.
Uma discussão deste cariz exige acção política coordenada entre os diferentes sectores da sociedade. Partidos políticos, ONGs, associações de todo o género e os cidadãos em geral devem ser capazes de se juntar tantas vezes quantas for necessário e discutir que tipo de sociedade desejam para o futuro. Uma coisa é certa, se não alterarmos o rumo que levamos, continuaremos a ter novos picos de temperatura a cada novo ano.
Se é verdade que é necessária uma mudança de políticas e de modo de via, é mais verdade que não podemos esperar essa “revolução” sem que cada um de nós, cidadãos, mude os seus hábitos. Num país como Portugal, ultra endividado, em que a aposta excessiva numa (i)mobilidade em automóvel particular representa cerca de 25% das importações do país, só com muita atenção se observam algumas mudanças tímidas.
Em Lisboa, as poucas tentativas de restrição ao uso do automóvel encontram vozes escandalizadas e histéricas que reclamam pela perda de direitos. Personagens como Carlos Barbosa ainda têm demasiados seguidores e, na verdade, poucos políticos têm a coragem de afirmar de viva voz que, em Portugal, se depende demasiado do automóvel e que isso tem de mudar.
No entanto, é uma pescadinha de rabo na boca porque um político (por definição?) dificilmente afirmará algo que lhe faça perder votos. Por outro lado, poucos terão a racionalidade para prescindirem de comodamente – nem sempre, mas a ilusão é forte – se deslocarem de um lado para o outro no seu automóvel, e procurarem o meio de transporte mais sensato para cada tipo de deslocação.
Uns por medo de perderem status, outros porque nem lhes ocorre que há alternativas, recorrem ao automóvel para irem ao café da esquina, ou compram casa no meio de nenhures assumindo que haverá uma auto-estrada sem portagens para que chegue rapidamente ao centro da cidade.
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