No seu famoso poema sobre Portugal, Alexandre O’Neill fala do país como a “questão que tem consigo mesmo”, sendo não apenas um seu remorso, mas um remorso de todos nós. Os últimos dias têm desafiado a sua visão. O desenrolar das negociações relativas ao orçamento de Estado para 2016 entre o governo português e a Comissão Europeia – que, ao que tudo indica, se aproximam de um final que convém a ambas as partes – foi seguido pelos partidos de direita com grande agressividade e sem grandes remorsos pela situação em que deixaram o país. Após quatro anos em que o governo PSD/CDS tentou mostrar que não havia alternativas às políticas de golpe até ao osso causadas pela austeridade cega e desmesurada, a simples tentativa de negociação, de igual para igual, parece ser inaceitável para aqueles que, de forma muito complacente, sempre se prestaram a seguir indicações.
O modo como o actual governo negoceia em Bruxelas é, desde logo, uma lufada de ar fresco. A austeridade não funcionou e continuar a insistir num modelo de corte pelo corte é um erro. O OE 2016 apresentado por Portugal à CE já serviu pelo menos para mostrar que há sempre alternativas, bastando vontade e uma ponta de coragem. Serviu também para mostrar que a direita portuguesa parece estar mais preocupada em preservar o seu legado austeritário do que em defender os interesses do país e da UE, sendo as tristes declarações de Manfred Weber no Parlamento Europeu, logo secundadas por Paulo Rangel, disso um exemplo claro. É claro que PSD e CDS podem discordar do modo como o actual governo pretende gerir o país mas as críticas até agora feitas, sempre apoiadas na comunicação social por articulistas bem alinhados com a linha ideológica do anterior governo, mais se assemelham a um boicote fruto do ressabiamento. Neste capítulo, destaque para a indicação dada pelo CDS sobre o seu voto contra o OE 2016, ainda antes de conhecer o documento, no que pode ser considerado, no mínimo, incoerente.
A oposição à política da austeridade não é uma luta apenas portuguesa. Veja-se o governo grego que, apesar de ter sido obrigado de forma vergonhosa a aceitar mais austeridade, continua a ser uma voz contra essa política, bem como o governo italiano que nos últimos dias tem levantado a sua voz contra a falta de flexibilidade por parte da CE. O ministro italiano da economia diz que “não pedem nada de novo, apenas coisas que já existem nas regras europeias”. Este momento deve servir também para desmistificar o bicho-papão “Europa”, usado para significar tudo e nada, sendo crucial reformular a política europeia antes que seja tarde de mais. O europeísmo é uma necessidade e a busca de um modelo de desenvolvimento alternativo deve ser feita explorando as possibilidades dentro dos tratados já existentes e, caso não seja possível, alterando-os.
Durante demasiado tempo tem a “Europa” sido usada como a causa de todos os males, seja por uma certa parte da esquerda que preferiu abdicar da luta pela reformulação do projecto europeu, seja por uma parte da direita que busca na “Europa” um justificativo para as suas opções ideológicas que apenas têm prejudicado Portugal. Os ex-governantes do PSD e CDS bem podem apregoar o seu patriotismo e usar o emblema à lapela mas este será sempre de plástico, que era mais barato.