A eleição presidencial em França terá lugar apenas daqui a um ano mas há já bastante tempo que, nos bastidores, se vão posicionando potenciais candidatos. Esta eleição é olhada com mais atenção do que o habitual, consequência dos bons resultados que a extrema-direita francesa, representada pela Frente Nacional, tem conseguido em sucessivas eleições, das europeias às regionais. Se é claro que a candidata deste campo ideológico será Marine Le Pen, à direita e à esquerda há menos certezas. À direita, o ex-presidente Nicolas Sarkozy enfrenta dificuldades em afirmar-se como o melhor candidato d’Os Republicanos. À esquerda, o actual presidente François Hollande seria o candidato natural do PSF a uma re-eleição, não sendo, no entanto, de descartar a possibilidade de um candidato saído de uma eleição primária de toda (ou quase, como veremos) a esquerda francesa.
Lançado em 10 de Janeiro de 2016 por um grupo de políticos e intelectuais, o apelo a uma eleição primária para a escolha de um candidato único de toda a esquerda e ecologistas foi fazendo o seu caminho. O próprio presidente Hollande, embora ainda não se tenha pronuncado sobre o tema, poderia, de acordo com alguns dos seus colaboradores, olhar para o apelo com bons olhos. A opinião dos eleitores de esquerda parece ser clara. De acordo com uma sondagem, 81% dos simpatizantes de esquerda afirmam ser desejável uma eleição primária, sendo que 74% afirma mesmo que tal método de escolha é fundamental para assegurar a passagem à segunda volta da eleição presidencial. Nessa mesma sondagem, 74% dos inquiridos mostra-se favorável à presença do actual presidente como candidato na eleição primária.
Se estes resultados são bastante elucidativos acerca da vontade dos potenciais votantes, nem todos parecem concordar com este método. Apenas um dia após a publicação da referida sondagem, Jean-Luc Mélenchon, co-presidente do Partido de Esquerda e um opositor das eleições primárias, anunciou a sua candidatura presidencial, mesmo sabendo que o Partido Comunista Francês, seu parceiro na Frente de Esquerda, está empenhado na procura de um candidato único. Mélenchon é um repetente, tendo nas eleições presidenciais de 2012 conseguido uns honrosos 11,1%, pelo que o anúncio da sua candidatura, com tanta antecedência, parece ter como objectivo marcar posição e boicotar o processo de primárias ainda antes do seu início.
A realidade actual é, no entanto, bem diferente da de há quatro anos. O modo como Hollande lidou com uma crise financeira à escala europeia e nacional, o envolvimento em conflitos militares no estrangeiro, a crise dos refugiados e os atrozes ataques terroristas em solo francês, vieram desgastar a esquerda e dar força a uma extrema-direita que, muitas vezes, se tentou combater adoptando o seu discurso e propostas. A estratégia de Hollande parece resumir-se a tentar passar à segunda volta e, então, tendo Marine Le Pen pela frente, apelar a uma frente Republicana que lhe possa dar a vitória. Mas, mais do que 2012, as próximas eleições presidenciais francesas podem parecer-se com as de 2002, quando Jean-Marie Le Pen enfrentou Jacques Chirac na segunda volta. A eleição primária para escolha de um candidato único de esquerda – com ou sem Mélenchon – pode ser o único meio de evitar este cenário e de evitar a autofagia da esquerda francesa.