Confirmou-se ontem a aprovação por parte da Câmara dos Deputados brasileira da abertura do processo de “impeachment” contra a presidenta Dilma Rousseff. Este processo deverá agora ser confirmado pelo Senado o que, a confirmar-se, levará à suspensão de Dilma até 180 dias para fins de investigação. Apesar de todo o ruído à volta deste caso, as razões alegadas para o “impeachment” são, claramente, insuficientes e sem base legal. Isto parece interessar pouco àqueles que se querem vir livres de Dilma e do PT a todo o custo, desrespeitando de forma aberta o voto de milhões de brasileiros, bem como a própria democracia. “Impeachment” sem crime é pois um golpe à vista de todos.
Ontem escreveu-se uma página negra na história democrática brasileira. Foi penoso assistir às horas de debate que mais se assemelharam a um circo ou a uma feira de variedades, com declarações a roçar o delírio. Conto com os dedos de uma mão o número de vezes que as razões evocadas para o “impeachment” (as famosas pedaladas fiscais) foram evocadas – bem menos vezes do que “o fim dos comunistas no Brasil”. Não foi sem nojo que fui seguindo a votação, acompanhando uma página de Twitter que, para cada deputado e à medida que iam votando, ia indicando os seus problemas com a justiça. Ouvir a palavra “democracia” e “a luta contra a corrupção” ser evocada por quem votou pelo “impeachment” e está a ser investigado por uma panóplia de crimes é ofensivo e insultuoso para todos os democratas.
Houve, felizmente, quem estando na oposição ao governo e a Dilma tenha tido a coragem de apontar o óbvio: a democracia é para respeitar. Uma palavra para os corajosos deputados do PSOL que, fazendo oposição, foram sempre vocais a favor do respeito pelos princípios democráticos e contra uma tentativa ilegítima de usurpação do poder pela quadrilha de Temer e Cunha. Neste jogo de crimes, o PT está longe de estar isento mas tal não deve – não pode – legitimar a destituição de uma presidente que, contrariamente à grande maioria dos deputados que contra ela votaram, não tem uma única acusação de carácter criminal contra si.
O processo de “impeachment” acaba apenas de começar mas, se o objectivo principal é a estabilidade do Brasil, está condenado a falhar. A confirmar-se a destituição de Dilma, apenas novas eleições podem legitimar um novo presidente. Caso contrário, assistiremos a um arrastar da crise até 2018, data do próximo acto eleitoral presidencial. A partir de ontem, o tempo de cerrar fileiras à volta dos defensores da democracia começou. A partir de ontem, todos os brasileiros perceberam que o seu voto vale menos que as jogadas parlamentares. Ontem, todos perderam, mas foi sobretudo a democracia a principal vítima deste golpe.