Hoje celebrou-se o Dia Internacional Contra a Homofobia, Lesbofobia e Transfobia. Bem, alguns celebraram. Outros ainda não conseguem celebrar estas coisas. Alguns acham que é inútil, outros que é errado. Alguns acham que o que é errada é a própria questão da orientação sexual. Uns porque acham que tudo o que não é heterossexual é anomalia e doença, outros porque ainda acham que é uma opção e que portanto só por arrogância ou perversão alguém pode escolher ser assim ou assado e com isso magoar-se e magoar os que esperavam de si algo “normal”.
Portanto recomeço, hoje alguns de nós celebrámos o dia em que se pretende mostrar uma união entre os povos na luta contra a discriminação na orientação sexual e identidade de género. Como trabalho em saúde, contexto no qual esta questão tem particularidades relevantes, e depois de chamado à atenção pelo texto da Agência Europeia dos Direitos Fundamentais, ocorreu-me escrever sobre o assunto. Por um lado, porque no meio de tanta desatualização de que os médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais sofrem, parece que ainda há espaço para pessoas que vivem no medievalismo de considerar a homossexualidade doença. Por outro lado, porque a discriminação na saúde não só reflete como propaga um preconceito profundo e é um agente ativo do sofrimento de pessoas destes grupos.
Quanto ao primeiro ponto, não há muito a dizer. Já é mais que claro que as organizações responsáveis não consideram estas questões do domínio da patologia. Esse erro crasso e histórico já foi em grande parte revogado. Pelo menos nos papéis.
Quanto ao segundo, já não é tão simples. E infelizmente o segundo influencia o primeiro. Por um lado, as crenças do profissional de saúde, ainda que não devam, conseguem sempre influenciar a sua postura, a sua conversa, a sua interação. Por outro, podem fazê-lo muito mais resistente à mudança, por exemplo na questão de “acreditar” que a homossexualidade “afinal” não é doença. É ainda relevante pensar nos profissionais de saúde como líderes de opinião e conhecimento nas suas comunidades. Quando são eles a presumir certas normalidades, essa ideia é transmitida ou reforçada nos seus utentes/doentes. Para além disto, o comportamento discriminatório por parte do profissional tem o potencial de ter um impacto especial na vítima. É demasiadas vezes feita referência à discriminação nos cuidados de saúde como potencial confundidor nos diagnósticos, por exemplo pela presunção da presença ou ausência de determinados comportamentos sexuais. A história do VIH deixou-nos, naturalmente, traumatizados. Mas com este texto pretendo chamar à atenção a uma vertente talvez mais simples mas também muito mais frequente e generalizada. Como médico de família, a simples pergunta “já tens namorada?” – que é uma ponte fácil para abordar o tema da sexualidade na consulta com o adolescente – pode não só estragar a relação de confiança com o meu utente rapaz homossexual, como aumentar o seu sofrimento, um potencial sentimento de insegurança, de anomalia, de culpa, de incapacidade de aceitação, e diminuir consideravelmente a probabilidade de ele recorrer à minha consulta quando a questão for a sexualidade. E se eu, que me considero informado e preocupado com esta questão, me deixo por vezes cair nesta armadilha da educação heteronormativa, o que não será o habitual nas consultas e contactos com profissionais com mentes “menos abertas”? A resposta a esta pergunta já existe em vários inquéritos feitos a profissionais de saúde e a utentes. É péssimo.
Os profissionais de saúde são, assim, uma população em que é importante investir particularmente se queremos evitar sofrimento e acelerar a eliminação do preconceito na sociedade. O problema põe-se, então, no “como”. Como chegar a estas pessoas e mudar a sua postura? Não resultou ter a OMS e a UE a declarar que a homossexualidade não é doença, que os países deviam deixar de exigir diagnósticos de perturbações para oferecer cirurgias de reatribuição sexual ou reconhecer o género pretendido na identificação civil do indivíduo. Não chegaram os artigos científicos nem os programas na televisão. Não chegou o passar do tempo. Este é o ponto neste momento. E deve ser prioritário.