Sem grande surpresa, a votação de ontem no Senado brasileiro confirmou a perda de mandato da Presidenta eleita Dilma Rousseff por alegados crimes fiscais e de responsabilidade. Ora, não só esses crimes não foram provados como, pelo facto de numa surpreendente segunda votação se permitir que Dilma seja candidata a cargos públicos, ficou claro que essa nunca foi a verdadeira razão deste verdadeiro auto-de-fé. Não tendo nunca aceitado a re-eleição de Dilma em 2014, os seus opositores cedo gizaram este plano. Não havendo crime de responsabilidade e mesmo assim havendo destituição trata-se de um golpe? Claramente, sim.
Os apoiantes da destituição de Dilma, justiça lhes seja feita, nunca tiveram grandes problemas em nem sequer referir as razões legais que poderiam levar ao seu afastamento da presidência. Mas se antes optavam por não o fazer, alegando uma hipotética luta contra a corrupção – e sendo eles próprios, na sua grande maioria, condenados por crimes desse cariz – nos últimos dias não houve sequer esse esforço. Veja-se por exemplo a entrevista dada pela Senadora Simone Tebet ao DN dizendo que se trata de “um julgamento político” ou, ainda de forma mais clara, as declarações do Senador Acir Gurgacz em que afirma ter a convicção de que não houve crime de responsabilidade fiscal. Mais claro era difícil.
Perante isto, há apenas dois posicionamentos possíveis: ou contra ou a favor do golpe. Pouco interessa aqui a opinião pessoal que cada um possa ter em relação a Dilma, ao PT e às suas políticas. Pouco interessa que a opinião pública brasileira possa, na sua maioria, preferir ver Dilma afastada da presidência. Em Democracia, não havendo crimes, há apenas um modo de afastar um Presidente eleito: eleições. E nessa arena democrática foi Dilma quem venceu e tem, por conseguinte, o direito a governar o país. Fechar os olhos a esta realidade é ser complacente com o golpe que a História pouco tardará a julgar.
E onde estão os que, de camisola da selecção brasileira de futebol ao peito, se manifestavam contra Dilma (e contra a corrupção, diziam)? A grande maioria deles, uma vez que desejava pura e simplesmente conseguir deste modo o que não havia conseguido nas urnas, calar-se-á imediatamente. Mas depois há os outros, que se refugiam na confortável generalização que diz que os políticos brasileiros são todos iguais e corruptos, esquecendo assim que a própria Dilma mostra a falsidade dessa afirmação. Outros ainda, achando-se muito democratas, assumirão até que este afastamento não foi legal mas que, sendo por um “bem maior”, é aceitável. Mas não, não é. A democracia não é um interruptor que se possa acender e apagar ao sabor dos desejos momentâneos.
O futuro não é difícil de imaginar, bastando olhar para o que Michel Temer, um dos golpistas-mor, fez enquanto presidente interino: políticas de cortes nos programas sociais e um governo sem minorias e sem mulheres. Um retracto não do verdadeiro Brasil mas de um Brasil à imagem dos que destituíram Dilma Rousseff. Nesse capítulo, e apesar do número absurdamente baixo de mulheres no Senado brasileiro, não deixa de ser relevante a distribuição dos seus votos: 6 em 61 a favor e 7 em 21 contra o impeachment.
Por fim, deixo um desafio àqueles que estão sinceramente convencidos que a destituição de Dilma foi por um bem maior e que a partir de agora o Brasil entrará no rumo certo. Escrevam uma carta endereçada a vocês mesmos, descrevendo o vosso estado de espírito e explanando todas essas vossas esperanças. Guardem-na e abram-na daqui a um par de anos. Verão como afinal as coisas estão piores. Por agora e consumado o golpe, começa a luta.
