Ciência sem o euro

PORTUGAL SEM O EURO?

Com a crise, a maioria dos partidos políticos da esquerda defende a saída do Euro. A exceção vai para dois partidos: o PS e o LIVRE.  Este último tem apresentado bons argumentos para defender a sua posição. Há duas maneiras de sair do Euro:

  1. Portugal abandona o Euro mas mantém-se na União Europeia (UE). Para esta opção ter lugar, teria de haver uma derrogação especial. Isto é, todos os Estados-Membros da EU (os 28) concordariam com a saída de Portugal, e essa alteração teria de passar para os Tratados. No entanto, sabemos que países como a Finlândia ou a Eslováquia iriam impossibilitar um processo já de si longo;
  2. Como isto não irá acontecer, para o nosso país abandonar o Euro teria de deixar a UE. Para isso seria necessário rasgar os tratados já assinados, com todas as desvantagens que daí adviriam. Iríamos ficar isolados economicamente, iríamos ter mais dificuldade em exportar e as trocas comerciais com outros países iriam envolver mais burocracias, uma vez que os acordos comerciais foram feitos com a UE da qual Portugal faz parte. Saindo da União, teríamos de recuar à situação de há 30 anos (antes da entrada no Mercado único) e estabelecer novos acordos.

Resumindo estes dois pontos: na situação atual, sair do euro implica sair da UE, o que por sua vez implica ficarmos ainda mais pobres.

Mas a situação ainda piora: rasgar os tratados europeus implica rasgar o acordo de Schengen, o tal que nos permite circular livremente pelo espaço europeu. Se isto acontecesse, os milhões de portugueses na diáspora teriam de se voltar a legalizar nos consulados, causando transtorno a esses conterrâneos que se viram forçados a migrar.

Por todas estas razões, o LIVRE defende a permanência na UE com o Euro.

CIÊNCIA SEM O EURO?

E o que aconteceria à Ciência saindo da UE? Ficaria privada dos fundos estruturais que nos chegam da União, não havendo dinheiro para pagar aos centros de investigação nem aos investigadores, aumentando o desemprego (direto e indireto).

Sem investigação, terminaria a inovação, ficaríamos atrasados tecnologicamente face aos outros países, tornando-nos mais pobres. Os conhecimentos científicos e tecnológicos são hoje importantes motores económicos.

Sem ciência e tecnologia também a área da saúde seria afetada: teríamos menos fármacos e menos acesso a certos tratamentos.

De maneira simplista, estes problemas resolvem-se de duas maneiras: através da recusa da austeridade e implementando políticas de investimento em alturas de contraciclo económico (entre muitas outras); e refundando a UE resgatando os seus valores iniciais da coesão e solidariedade entre os povos. Ainda há esperança.

Texto de João Monteiro

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Uma história que podia ser real

Ele queria muito continuar a sê-lo… Sinceramente que sim. Gostava quando lhe chamavam de trabalhador. Era uma palavra bonita, completa. Enchia a boca do orador e o ouvido do receptor. A própria sonoridade parecia albergar o esforço e a dedicação inerente ao acto de trabalhar. Sim, ele gostava de ser trabalhador e ser reconhecido como tal.

Mas há uns anos tudo mudou. A empresa onde trabalhava fechou. O atraso cada vez maior na chegada do fim do mês deixava antever este desfecho. Dizem que foi a conjuntura económica e a crise internacional, mas disso ele nada sabia. Era agora um desempregado. Uma palavra rude e feia, que parecia devolver ao esquecimento

O tempo foi passando e a esperança esmorecendo. Multiplicava-se em entrevista de emprego, mas sempre sem resultados. O subsídio de desemprego foi diminuindo até ao momento que deixou de existir… Nessa altura descobriu que era um “desempregado Estrutural”, mas disso ele nada sabia.

Continuou a ir ao centro de emprego e a correr os classificados, numa clara demonstração de resistência que só se conquista com anos de experiência. Acabou por ter de aceitar um trabalho qualquer, a fazer nem sabe bem o quê, para um patrão que nunca conheceu e através de um contracto de trabalho que ele nunca entendeu e que nunca ninguém lhe soube explicar. Ali ninguém percebia muito bem para quem trabalhava ou por quem tinha sido contratado. Era um sinal dos tempos, diziam-lhe; tinha ficado muito tempo fora do “mercado laboral”, por isso não entendia estes novos vínculos.

Já não era trabalhador, antes colaborador. Sentia-se defraudado por esta designação, mas que poderia fazer… Ao mesmo tempo que lhe pagavam uma miséria, este ainda se devia mostrar agradecido por esta “oportunidade”. Levava para casa menos que o salário mínimo nacional e não lhe chegava para as despesas. Disso já ele sabia muito bem. Era licenciado em matemática do mínimo para fazer render o máximo.

Agora pensem na vossa vivência profissional e das pessoas que conhecem. Vêem como podia ser uma história real…?

Texto de Miguel Dias

A perceção de uma vitória moral

Tem-se falado de uma derrota em toda a linha de Tsipras, que capitulou nas negociações com os credores e que tem agora em mãos o pior programa austeritário para aplicar na Grécia.

Assumindo a derrota, tem frequentemente faltado olhar para a outra face da mesma moeda, a vitória moral. A vitória moral de dar a conhecer uma esquerda, nomeada de radical, que com coragem confrontou, com propostas moderadas, os tecnocratas do Eurogrupo, de levar a discussão dos problemas do Euro ao Parlamento Europeu, de não ter medo da democracia, de colocar a reestruturação da dívida em cima da mesa das instituições europeias e do debate político, de tão rapidamente tornar a reestruturação inevitável, de lançar o debate sobre a revisão dos tratados e das instituições europeias… a bem do futuro da Europa da democracia, da solidariedade e do respeito mútuo.

O tempo por que muitos pró-europeistas anti-austeridade esperavam, chegou. Seria e é tempo de capitalizar o argumento defendido até aqui que identifica as reestruturações das dívidas como primeira condição para os países do sul da Europa sairem deste ciclo austeritário e empobrecedor. Seria e é tempo para propor as alterações necessárias aos tratados e às instituições europeias para refundar o Projeto Europeu.

O problema está na perceção da vitória moral e/ou na convicção europeista. A falta de perceção da brecha criada no debate político (a vitória moral de Tsipras) tem conduzido alguns anti-austeritários a centrarem o seu debate político na derrota dos Gregos, nos erros do Syriza, no abandono de qualquer esperança de uma Europa solidária e na saída da Grécia do Euro (o plano B), aquilo que Tsipras não quis e que os tecnocratas aparentemente queriam. Apesar de ser perfeitamente justificável estar cético em relação ao futuro de Portugal na Zona Euro (e de considerar um plano B), é paradoxal que alguns anti-austeritários (pró-europeístas?) tenham muitas dúvidas em abraçar a esperança associada à vitória moral de Tsipras e capitalizá-la na campanha para as próximas eleições legislativas, preferindo dedicar mais tempo a discutir em público um plano B para Portugal (parecendo, na verdade, o plano A). São exatamente as próximas eleições em Portugal e em Espanha que terão um papel decisivo numa eventual mudança de forças na Europa. Será um erro estratégico que nos próximos meses não se unam esforços, se acredite que é possível e se lute por um a mudança da União Europeia por dentro… foi essencialmente na coragem que Tsipras conseguiu esta vitória moral e que, agora, quer ficar no poder o tempo suficiente para ajudar outros governos similares a levantarem-se contra a Europa da austeridade.

Texto de César Fonseca

Bem-vindos a 1993 (ou a utopia da saída do euro)

Em 1986 Portugal aderiu à União Europeia e em 1993, com a criação do mercado único europeu que acabou com as fronteiras internas da Europa, o nosso pequeno país teve acesso a um mercado de 500 milhões de consumidores. Este acordo extraordinário de livre circulação de bens foi tão bem conseguido que, actualmente, nem nos lembramos de que se sairmos do euro também saímos do mercado interno da União Europeia (tal como está explícito nos Tratados) e as implicações que isto terá na nossa vida e na nossa economia.

Então vamos fazer um exercício: como seria a nossa vida fora do euro e do mercado único comum?

Primeiro alguns dados:

Em Portugal o peso das exportações para os países comunitários eraem2013 (dados do INE) de 70,3%, sendo o peso das exportações para Países Terceiros de 29,7%. Só para Espanha, o nosso principal destino de exportações, foram transaccionados 11 mil milhões de euros,para a Alemanha e França, 5 mil milhões. Angola, o el dorado do governo PSD-PP, recebeu 3 mil milhões em exportações.A ideia de que, se sairmos do euro, temos um mundo lusófono à nossa espera é muito bonita mas falsa. Temos uma língua comum, não temos um mercado comum.

Vamos imaginar agora que queremos exportar alfinetes para a Alemanha, por exemplo. Actualmente basta uma guia de remessa e a factura, tal como dentro do país. No entanto,se sairmos do mercado comum, deixamos de ter as fronteiras abertas e temos de volta a pauta aduaneira. O que é que isto significa? Um pesadelo. Primeiro, os alfinetes têm de ser objecto de uma declaração aduaneira de exportação (DAE) entregue na estância aduaneira competente. E como se preenche esta declaração?

Bem, primeiro procuramos em que item é que os alfinetes se inserem na classificação pautal (obriga a consulta de pauta Aduaneira ou Pesquisa TARIC), em seguida pedimos a emissão de licença ou de outro documento para os alfinetes. Depois verificamos se o acondicionamento dos alfinetes respeita as normas dos países que a recebem(e por onde passam também) além de que os alfinetes têm de ir acompanhados por factura, condições de entrega, país de destino, etc etc.. Tudo isto não demora nem 1 dia nem dois, como é bom de ver. Demora-se cerca de 5 dias a preencher esta papelada para fora da EU, enquanto na UE se demora 15 minutos.

Estão cansados? Pois isto é o básico porque são alfinetes. Se exportarem bebidas alcoólicas (o bem que sabe uma cervejita…), rações para animais, salsichas, sumos, entre outros bens alimentares, e não só, como medicamentos, precisam de licenças especiais,aferidas caso a caso. Para além do suporte documental da operação comercial (e.g. factura, documentos de transporte), são necessáriosoutros documentos específicos requeridos em legislação de cariz aduaneiro (ex.: licenças de importação/exportação) ou de sanidade pública (ex.: certificados de sanidade ou de origem) ou ainda por força da legislação vigente no país de destino. É ainda necessário o cumprimento de formalidades prévias à exportação junto dos diferentes organismos competentes (ex: AT, DGAV, MAMAOT, entre outros).

Não é preciso ser um génio da economia ou das relações internacionais para perceber que o mercado único comum foi um impulsionador vital para as exportações portuguesas. Voltar a fechar fronteiras é, só nesta questão específica e não tendo em conta todas as outras, regredir 20 anos e sujeitar o país a um impacto económico que não devemos sequer considerar.

Então, querem mesmo voltar a 1993?

Texto de Marisa Filipe

Relato de uma tragédia anunciada

Não vivemos tempos bons no seio da União Europeia. Diariamente atropelam-se notícias sobre a Grécia e muitas vezes contraditórias. Enfileirados, um bando de comentadores tentam explicar o inexplicável. Querem fazer passar a ideia que o actual governo helénico é o único culpado de toda esta situação. Como se os executivos PASOK e Nova Democracia das últimas décadas não fossem os verdadeiros responsáveis pelas péssimas práticas governativas, com o consequente afundamento do país.

Simultaneamente o tridente diabólico do resgate financeiro, força mais um pacote de austeridade sobre o povo grego. Juncker apadrinha e diz que desta vez se trata de uma austeridade inteligente. Ou seja, entrelinhas acaba por confessar que as medidas que durante os últimos 5 anos foram impostas à Grécia pelos credores internacionais foram idiotas. E como reconhecimento dos próprios erros pede-se aos gregos que continuem a sufocar, sem possibilidade de crescer economicamente e condenados assim a nunca conseguirem pagar a sua dívida! Se ao menos o estado grego beneficiasse dos privilégios que muitas multinacionais tiveram/têm no Luxemburgo… Fazer da Grécia uma espécie de laboratório económico/financeiro e do seu povo as cobaias de serviço, onde se experimenta todas as receitas e mais algumas, é cruel.

NOSNAOSOMOS

Evidentemente que a solidariedade entre povos deverá ser o primeiro factor de mobilização para esta causa. Aliás, um dos princípios fundadores da União Europeia. Lê-se no Artigo I–3.º (Objectivos da União), do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, editado no Jornal Oficial da União Europeia C-310 de 16 de Dezembro de 2014, o seguinte excerto: “A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.”

No entanto podemos ter uma visão egoísta e só pensar no nosso bem-estar. Mas também aí é estúpido deixar cair a Grécia. A matemática aplicada do Sr. Silva diz que se subtrairmos 1 a 19, ainda restam 18 países na zona euro. Embora este raciocínio seja brilhante, não leva em linha de conta a complexidade da situação em geral, nem o efeito dominó que tal medida pioneira pode desencadear. Essa é a incógnita que temos de introduzir na equação.

Cientes do perigo de contágio, pela Europa fora os governos de vários países têm reunido de urgência, para analisar a situação grega. Da Alemanha à Espanha sucedem-se comunicados e afirmações que tentam apaziguar os mercados – esses bichos nervosos. As bolsas vacilam e os juros da dívida soberana sobem. Do mundo vêm idênticas preocupações dos E.U.A. à China.

Por cá, a maneira de lidar com esta crise é bem mais adulta. Passos tapa os ouvidos; Portas tapa os olhos; e ambos entoam a uma só voz: “Nós não somos a Grécia!”, vezes sem conta. Como se esta espécie de ladainha nos livrasse de todo o mal financeiro.

A experiência recente tem demonstrado que tal não é possível. Após a Grécia, as economias menos preparadas cairão como um castelo de cartas. Em primeiro lugar as que estão ou estiveram sobre a assistência financeira, com Portugal à cabeça. Depois muitas das que estão presas por arames. Caso se verifique a tal “Grexit”, só mesmo uma intervenção divina de Nossa Senhora de Fátima poderá salvar a União Económica Europeia de uma tragédia anunciada. Para mal de todos os que não somos crentes.

Texto de Miguel Dias
Ilustração de Eduardo Viana

Emigração: Proposta do PS aquém do esperado

O projeto de Lei 998/XII/4.a, do PS, assinado pelos Deputados Ferro Rodrigues, Jorge Lacão e Pita Ameixa, encurta os prazos legais nas eleições para a Assembleia da República, elimina inelegibilidade injustificada de cidadãos com dupla nacionalidade, evoca a era digital, mas perpetua o ónus que ainda recai, de forma discriminatória, sobre o cidadão português residente no estrangeiro no que toca ao recenseamento eleitoral e ao voto, processos complicados que afastam o cidadão do exercício do seu direito/dever cívico-político.

Apressadamente o PS recuperou uma proposta de 2011 do CDS e pede agora aprovação célere e por amplo consenso para alterar os prazos da lei eleitoral de Assembleia da República, do regime jurídico do Recenseamento Eleitoral e do Processo Eleitoral no Estrangeiro.

Nesta proposta de revisão há 2 aspectos pertinentes para nós cidadãos e cidadãs portugueses residentes no estrangeiro:

a) os cidadãos com dupla nacionalidade (por exemplo lusodescendentes) poderão ser eleitos num dos seus círculos nacionais,

b) os prazos dos processos eleitorais (marcação de eleições, recenseamento eleitoral, apuramento votos e publicação de resultados) são reduzidos.

Diz quem sabe que este projecto de lei é um bom primeiro passo e que já vem muito atrasado, reportando-se à discriminação para com os binacionais, entre os quais os lusodescendentes, que durante anos foram impedidos de poder representar os seus concidadãos no território nacional e no círculo da sua nacionalidade. Evidentemente que aplaudimos esta correcção, uma questão de justiça àquela disposição anacrónica cuja última alteração aconteceu há 20 anos.

Mas censuramos firmemente a contínua falta de genuíno interesse do PS ao privilegiar apenas um aspecto da questão, deixando de fora o mais crucial. A leitura que se tem é que estamos perante um “lifting” cosmético, uma intervenção cirúrgica eleitoralista deste projecto de lei.

Se “é mais do que imperioso fazer cessar as limitações desproporcionadas da capacidade eleitoral”, como tão bem se lavra no documento do PS, e se uma das justificações avançadas é o “l’air du temps” da era digital e das comunicações electrónicas, onde estão então as propostas de melhoria e correção do recenseamento eleitoral no estrangeiro, que é iníquo e discriminatório? Caíram no caldeirão, como o João Ratão? Onde estão as propostas para um moderno e facilitado recenseamento eleitoral no estrangeiro, por via electrónica, e automático com a inscrição consular? Onde está proposto o voto em mobilidade para os emigrantes que escolhem manter o seu círculo eleitoral em território nacional e para os trabalhadores migrantes andarilhos dos 7 mares? Aspectos vitais para a participação democrática dos cidadãos portugueses que tiveram de emigrar e migrar. Quantos somos? Quanto valemos?

Senhores Deputados Ferro Rodrigues, Jorge Lacão, e Pita Ameixa,

“… num tempo em que a diáspora portuguesa pode e deve ser cada vez mais valorizada, nomeadamente em função dos seus laços de relação efetiva à comunidade nacional, é mais do que imperioso fazer cessar limitações desproporcionadas da capacidade eleitoral.”

É vossa constitucional obrigação, e ainda têm tempo até 3 de Julho para apresentar um excelente projecto de lei que faça jus à motivação enunciada e que contemple os aspectos por nós mencionados: facilitar o acesso do português residente no estrangeiro recenseamento e ao voto, consagrando a participação cívica dos portugueses emigrados na vida política nacional. Esse diploma trará certamente muitos mais votos ainda ao PS e por esse, sim, sereis felicitados.

Texto de Lídia Martins

A extrema-direita no Parlamento Europeu: sol de pouca dura?

Eu não sei o que vocês fizeram no verão passado, mas sei o que Marine Le Pen e Geert Wilders tentaram fazer. E só demorou um ano até conseguirem. A extrema-direita tem desde ontem o seu grupo no Parlamento Europeu, Europa das Nações e das Liberdades de seu nome.

O número mínimo de 25 eurodeputados nunca foi um problema. Só a Frente Nacional tem 23, ainda que 3 deles (incluíndo Le Pen pai, caído entretanto em desgraça) fiquem fora desta aventura. Faltava conseguir representantes de 7 Estados-membros, o grande obstáculo em 2014. Ironia das ironias, foi uma súbdita de Sua Majestade, a dissidente do UKIP Janice Atkinson, a viabilizar um sonho antigo dos nacionalistas franceses.

Ainda que em diferentes estirpes, a direita radical tem agora um quarto na casa da Democracia europeia. E isso significa tempo de palavra, lugares de destaque nas comissões do Parlamento Europeu e dinheiro. Muito dinheiro. Depois dos rublos de Putin, a dupla Le Pen Wilders vai agora deitar mão a milhões de euros dos contribuintes europeus em subvenções.

Mas embora os noivos estejam ainda a descer a escadaria da igreja, são já muitos a dizer que o casamento não vai durar. Que dentro de pouco tempo andarão novamente à bulha uns com os outros e que esta Europa das Nações e das Liberdades será tão efémera como os seus antecessores. Basta lembrar o que aconteceu em 2007 com Identidade, Tradição e Soberania.

Ao longo dos anos, o Parlamento Europeu tem sido um laboratório para as experiências de agregação do nacionalismo eurocéptico. E é verdade que quase sempre as coisas correram mal. Desentendimentos ancorados em conflitos históricos e tensões motivadas por cruzamentos étnicos entre fronteiras nacionais comprometeram de forma recorrente a sua unidade em Estrasburgo.

No entanto, há pelo menos um dado novo nesta nova formação: o pragmatismo de Le Pen e Wilders, conscientes do poder de fogo que este acordo lhes empresta. O apurado sentido estratégico desta dupla improvável que, por si só, recomenda alguma prudência nas previsões.

Ao mesmo tempo, também é arriscado dizer que este passo marca o ressurgimento da extrema-direita no velho continente.

Mais do que afinidade ideológica, o voto nas eleições europeias de 2014 foi um voto em quem escolheu enfrentar o debate falando do projecto europeu. Contra ele, mas apresentando uma visão sobre a Europa aos eleitores. Uma lição que muitos que se dizem europeístas ainda não aprenderam: a direita nacionalista não se derrota com a utilização de rótulos anacrónicos nem com a imposição de cordões sanitários (que seriam, aliás, contrários aos valores de quem repudia a direita radical de Le Pen e Wilders).

Esse combate faz-se no plano das ideias e dos argumentos. Faz-se recordando aos cidadãos europeus que a União Europeia continua a ser um dos principais pilares do maior período de paz e proposperidade (cada vez mais desigualmente) partilhada na Europa.

Texto de José Costa

Ser emigrante português em 2015 : “occupy o Consulado” e fazer de cada emigrante um político!

Ser emigrante em 2015 é luta e responsabilidade cívica. Activismo. Resistência.

É uma luta pela dignidade humana numa Europa e num Mundo em contracção económica e democrática.
Uma luta, pois, contra a exclusão social e cívico-política que a ideologia do austeritarismo gera.
E é também uma responsabilidade cívica: não cruzar braços, não desistir, não deprimir, ser resiliente, avivar o espírito de comunidade, não permitir o acantonamento cívico. Exigir o espaço para a nossa participação política activa.
Ao  empobrecer e desvalorizar o nosso país, em mais ou menos 4 anos os nossos des-governantes “expulsaram” mais de 400.000 portugueses.
Emigraram estes portugueses, jovens e menos jovens, qualificados e não qualificados, e assim aliviaram o sistema de segurança social português e assim não chatearam muito como proletariado precariado incómodo dentro de portas.
Emigraram e inundaram o mercado laboral da Europa, onde agora há muito mais oferta de mão-de-obra do que procura. Emigraram maciçamente e tornaram-se um factor de dumping salarial nesta mesma Europa. Os patrões e os directores regozijam-se. Muitos destes emigrantes portugueses – homens e mulheres que ainda há poucos anos tinham uma vida normal e digna no seu próprio país – são o novo proletariado do velho continente, precários, vivendo situações de vulnerabilidade, de depressão psicológica, por vezes roçando o suicídio, sobrecarregando os sistemas de segurança social dos países de acolhimento, expondo-se a notificações de expulsão quando não têm um contrato de trabalho. Desesperam à procura desse mesmo contrato de trabalho e anunciam que aceitam tudo, colocando-se  à mercê de patrões e directores abusadores.
As comunidades residentes de emigrantes tentam organizar-se informalmente através das gentes e das estruturas do associativismo de longa data para prestar o apoio possível à vaga de novos emigrantes, já que os serviços de apoio social das embaixadas e consulados estão em progressivo shutting down.
E perante tanta emigração o austeritarismo anda a fechar alegremente os postos consulares que não dão lucro….lucro? lucro? mas têm de dar lucro??? que disparate é este??? os postos consulares são uma obrigação do Estado Português, assim como os hospitais, centros de saúde, tribunais, escolas.
Somos 5 milhões de emigrantes portugueses, cujas remessas aumentaram 7% em 2014, e seus lusodescendentes. Não nos podem fechar os consulados!!
Os consulados que por ora permanecem (e que devem ser então os tais que dão lucro) estão a rebentar pelas costuras: o número de funcionários diminui e número de utentes aumenta. Que serviço é possível prestar? Como se pode fazer o recenseamento eleitoral? O ambiente é de opressão e frustração, tanto na sala de espera à cunha, como no espaço de atendimento. Exasperação.
Podia haver um serviço online para os assuntos consulares, podia. Mas não há. Não se percebe bem por quê, nesta era do home banking e do e.commerce. E sobretudo quando o investimento foi já mobilizado, e quando até o tal do serviço figura nas webpages dos consulados… serviço fantasma, mentira.
Podia haver recenseamento eleitoral automático como existe para o cidadão português residente em Portugal, podia. Mas não há. Porquê esta outra discriminação?
Neste cenário de consulados a fecharem, o cidadão português emigrante não tem à sua disposição um consulado virtual, nem serviços consulares online, ao contrário do que está disponível em Portugal para o cidadão português residente em Portugal. Discriminação, outra vez! Ora nós também somos cidadãos portugueses! Não somos cidadões…
Lembremo-nos novamente do nosso contexto: a actual emigração portuguesa já atingiu níveis que ultrapassam a vaga migratória dos anos 60 e 70. Lembremos o básico: estes emigrantes afluem aos poucos consulados existentes porque precisam de documentos, atestados, certidões legais para resolver problemas relacionados com a sua instalação legal e com o seu novo posto de trabalho. Básico. E para conseguir o básico, é preciso perder 1 dia de trabalho, ir para Bruxelas, tirar senha, esperar a sua vez com 15 pessoas à frente e 2 funcionários no atendimento…ou então é preciso marcar, pelo telefone que nunca atende, uma hora de atendimento…parece que estamos em 1980..
Por muito que os cidadãos portugueses emigrantes alertem e se queixem, através de grupos comunitários, através dos meios de comunicação social da diáspora portuguesa, os seus eleitos pela emigração – que os deveriam representar – nada fazem de concreto e útil para mudar o status quo. O Secretário de Estado das Comunidades compreende a situação e tem muito boa vontade, mas também nada consegue para melhorar a actual situação de exclusão cívico-política imposta ao cidadão português emigrante pelo sistema politico-partidário-legislativo reinante.  O último exemplo é a revoltante redução do universo de emigrantes portugueses votantes para as eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas, que a maioria dos deputados com assento na AR aprovou (provavelmente sem ter lido o texto). Muito conveniente para a actual maioria…
Narrativa muito conveniente, igualmente, o famigerado desinteresse e a famigerada abstenção eleitoral do cidadão português, incluindo o cidadão emigrante,…pois se tudo é um empecilho ao recenseamento eleitoral e ao voto! Pois se não há voto electrónico! Pois se não há campanha de informação!
Perante este desconcerto e desrespeito, nós cidadãos portugueses emigrantes só temos uma coisa a fazer:  “Occupy  o Consulado”
Ocupar e reclamar os serviços e o  espaço público cívico-político ao qual temos direito enquanto cidadãos.
Estamos fora mas não estamos mortos. Somos portugueses, tal como os nossos concidadãos que residem em Portugal e que têm à sua disposição às lojas do cidadão – que cá fora são os consulados.
Occupy o consulado para exigir mais funcionários, permanências, apoio social, programa especial para o recenseamento eleitoral que está agora silenciosamente em curso com vista à eleição dos nossos representantes no Conselho das Comunidades Portuguesas (acto eleitoral cuja data está vagamente anunciada para inícios de Setembro!, mas ainda nada de concreto).
Tal como os cidadãos de Occupy New York tiveram razão em relação ao iníquo sistema financeiro mundial, também os emigrantes portugueses têm razão em relação à discriminação, abandono e exclusão a que são votados pelas autoridades portuguesas. O encerramento e redução dos postos consulares, a obstaculização legislativa e regulamentar ao recenseamento eleitoral, as parcas modalidades de voto à distância, a redução do universo de votantes significam o ditatorial confinamento/clausura do espaço cívico-público-político, do qual o cidadão português emigrante fica de fora, excluído.
Tudo ao contrário das recomendações da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na sua resolução 2043, de 6 de Março de 2015,  “Participação Democrática para os migrantes das Diásporas” , que exorta os governos dos estados membros (Portugal é um deles) a melhorar a participação democrática dos emigrantes, a envolvê-los na tomada de decisões, a redigirem (em conjunto com as instituições da sociedade civil) programas orientados para as diásporas.
Como se não bastasse terem sido obrigados a sair fisicamente do seu país, que é o espaço cívico-publico-politico mais próximo e local, os cidadãos portugueses sofrem agora ainda mais este agravamento da exclusão da comunidade simbólica da cidadania portuguesa.

Texto de Lídia Martins

“Eu vou lá estar”, diz em Londres a jovem emigrante à Ministra das Finanças

No dia 5 de Maio de 2015 (as eleições legislativas gerais britânicas foram a 7 de Maio)  a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, foi a Londres fazer uma palestra sobre o êxito do programa de austeridade em Portugal. Ou seja, foi dar uma mãozinha à campanha eleitoral dos Tories, contribuindo do lado da Europa do Sul para o discurso endoutrinador que governos conservadores neoliberais europeus – aliados da City e dos mercados que faliram e se recapitalizaram- andam a propagar aos cidadãos, ajudados pelos barões dos mídia: “os outros andaram a gastar muito no passado, tivemos nós de fazer a austeridade para voltarmos aos eixos e ao crescimento”. Foi este discurso simplista e fora da realidade que ganhou as eleições no Reino Unido, quando a realidade mostra todo o contrário: os governos conservadores neoliberais da austeridade andam a empobrecer os estados e as populações para transferir os dinheiros públicos para os donos do mundo. As eleições britânicas não são verdadeiramente democráticas: dos 46 milhões de eleitores do Reino Unido só 100 mil votam. O sistema eleitoral britânico, profundamente aristocrático, não permite nunca a partilha do poder com forças políticas mais pequenas e progressistas, antes perpetua a dominação dos 2 grandes partidos.  Para melhores explicações leiam-se os excelentes artigos de Shaun Lawson, publicados aqui e aqui.

Voltemos à propaganda de Maria Luís Albuquerque. A sua intervenção na London School of Economics suscitou a reacção in locco de Liliana, jovem cidadã emigrante obrigada a sair de Portugal devido ao tratamento de choque da troika-governo de Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque.

Felizmente há sempre alguém que resiste à mentira e à ilusão, há sempre alguém que diz não. Há sempre algum Asterix. Neste caso, uma Astérix portuguesa. A cidadã emigrante Liliana lembrou à Ministra que a “Austeridade”  é um fracasso económico, um fracasso de cidadania, um fracasso democrático e de gestão de um Estado. A “Austeridade”  só beneficia aquele 1% ou menos da sociedade: os grandes patrões, o capital financeiro, aqueles que podem fugir ao fisco, os corruptos.

A afirmação da Liliana à ministra tornou-se um soundbyte  “Sim ,eu vou lá estar” .

Por extenso: “eu vou lá estar em Outubro, nas eleições, para garantir que a senhora ministra não seja eleita”

O grupo local de entreajuda  Migrantes Unidos  fez um poster com esta frase e está a divulgá-lo para alertar os cidadãos portugueses emigrantes que devem ir fazer o seu recenseamento eleitoral, antes que seja tarde demais.

“Eu vou lá estar!”

É o que fazem alguns.

Aqueles que podem e aqueles mais activistas civicamente que se sentem impelidos por uma obrigação patriótica.   Mas…e  todos os que não podem viajar até Portugal para lá estar nas eleições?

E era preciso, na era do e.governo, dos serviços públicos em linha, fazer uma viagem a Portugal para garantir o voto ? Não podíamos ter o voto electrónico, se já não temos os consulados necessários perto de nós?  Que atraso de vida…

Não temos voto electrónico, os consulados portugueses escasseiam em toda a Europa e em todo o Mundo. O pouco pessoal consular, em cada posto, não tem capacidade de atendimento a tanto emigrante. O tempo de espera é por vezes de 2 e mais horas. Temos de fazer marcação por telefone para ir resolver qualquer coisa ao consulado. Temos de tirar 1 dia de trabalho.

Os terminais do consulado virtual nunca foram ligados! Jazem nos cantos das associações portuguesas…

Tudo dificulta o recenseamento eleitoral e o voto do cidadão português emigrante… ora o voto é a nossa maior arma de cidadania!

Vejam esta atrocidade : o recenseamento eleitoral não é automático para o cidadão emigrante, como é para o cidadão residente. Ao emigrar o cidadão português perde a sua capacidade de eleitor e só a pode readquirir através de um processo voluntário e burocrático, que exige tempo e deslocações ao consulado ou então infoinclusão, muito à vontade com a internet e os sites.

Mas que ofensa é esta que nos fazem?!

Não somos nós portugueses como os outros?

Não pagamos impostos e não enviamos remessas?

E por que razão os nossos círculos eleitorais da emigração em todo o mundo só podem eleger 4 deputados? Que representatividade na Assembleia da República podemos nós ter com 4 deputados??? Que atestado de menoridade e de cidadania de 2a classe nos passa a Lei Eleitoral?  parece do tempo da outra senhora…

Os 5 milhões de emigrantes portugueses têm direito a 6 deputados ou mesmo 8 deputados na Assembleia da República. Deputados em número suficiente para constituírem massa crítica e para poderem representar condignamente este vasto círculo eleitoral.

Que a representatividade política dos emigrantes portugueses não seja uma expressão residual e inaudível na Casa da Democracia.

Que sejamos incluídos na participação democrática!

Texto de Lídia Martins (emigrante na Bélgica)

(I)migrações

O Mundo é feito de pessoas, em primeira instância, não de “nacionais” ou de “nativos”. Os meus concidadãos são as pessoas que partilham comigo uma nação de valores, independentemente do lugar do mundo em que nasceram. São as que estão solidárias umas com as outras, independentemente do credo que professam ou de não professarem credo nenhum.

São as que se se juntam comigo na crença de que somos muitos a querer mudar as agulhas da linha em que nos colocaram, e de que podemos inverter o curso das políticas de empobrecimento e da austeridade que nos tiram o discernimento e nos povoam de fantasmas que não existem.

São os que fogem à tentação de acusar o vizinho das suas dificuldades só porque tem uma cor diferente, um estatuto social diferente, uma profissão diferente, uma religião diferente, uma forma de vestir diferente.

Os meus concidadãos são os que olham à sua volta e percebem a riqueza e diversidade cultural de que a Europa, e Portugal, foram dotados ao longo dos séculos, uma diversidade impossível de alcançar sem os milhões de imigrantes de todos os cantos do mundo que vieram para cá viver. Imigrantes que, na esmagadora maioria, os governos tratam mal, a comunicação social trata mal e alguns europeus tratam mal, embora eles sejam uma mais-valia inegável.

Trabalham muitas e muitas vezes em condições infra-humanas. São vítimas de empresas abusadoras que não lhes fazem contratos de trabalho e os mantém reféns de um mísero vencimento. Vivem em “guetos”. Os seus filhos nascem em guetos e são “guetizados” nas escolas.

E são imigrantes, e vão ser sempre. Mesmo que, depois de muito esforço burocrático, já sejam cidadãos europeus.

Mas ainda faltam os outros, os que já nasceram na Europa, bem como os seus pais, mas que ainda são ilegais e por isso sem plenos direitos de cidadania, sendo que Portugal continua a ser um triste exemplo onde se observa isso. É um ciclo vicioso e viciado de falta de oportunidades que os espolia de direitos fundamentais Embora para muitos que leio e oiço tenham o que é “possível”, porque não são dos “nossos”.

Nascem, crescem, casam, têm filhos onde sonharam ser felizes, mas esse sonho é-lhes negado e ainda lhes são atribuídas culpas que não têm.

As pessoas não se usam de acordo com interesses “nacionais” ou corporativos. Um país, um Estado, não é uma empresa que “contrata” e “despede” conforme a onda financeira e económica. Um país, um Estado, uma união de Estados de direito, só cumpre o seu desígnio se for um espaço de acolhimento, de partilha e de bem-estar. Não se recebem imigrantes porque estamos ricos ou são ricos e se expulsam ou se fecha a porta porque estamos pobres ou são pobres. Recebem-se pessoas (deixemos a palavra imigrantes) e concede-se-lhes apenas direitos e deveres, iguais para todos. Às vezes corre bem. Às vezes corre mal. Nada mais humano e universal. Nada mais simples.

Texto de Ofélia Janeiro