Realidade e Ilusão

Frequentemente lá me perguntam o que é que consideraria um bom resultado para a candidatura LIVRE / TEMPO DE AVANÇAR no círculo eleitoral de Setúbal. Respondo o óbvio… Um bom resultado seria ganhar. Depois pedem-me para ser realista. Aí replico que a realidade é o que se tem passado por essa Europa fora, com novos partidos e novas lógicas organizativas, que têm conquistado votos e até ganho eleições. No nosso cantinho é que ainda vivemos na ilusão. E ao que parece não queremos acordar.

Recentemente, mais um choque de realidade nos tentou despertar. A taxa de desemprego voltou a subir para cima da barreira dos 14% no mês de Fevereiro. Descobrimos ainda que afinal a taxa adiantada pelo INE relativa ao mês de Janeiro era erradamente optimista e não por um ou duas décimas, mas por 0,5%. Para os mais incautos relembre-se que se estivermos a falar de uma população activa de, grosso modo, 5 milhões de indivíduos, esses 0,5% correspondem a 25.000 pessoas. Para além disso também se descobriu que o desemprego não diminuiu de Dezembro de 2014 para Janeiro de 2015, ao contrário do que foi anunciado na altura. E isto, ao invés de nos acordar, embala-nos ainda mais nesta dormência ilusória.

O desemprego jovem, por seu turno, não tem conhecido intermitências fixando-se em Fevereiro de 2015 nos 35%. Tem sido sempre a subir! O que não deixa de ser estranho, já que grande parte da nova emigração é precisamente constituída por jovens em idade activa. Esta é mais uma faceta de realidade que enfrentamos no “mercado laboral”.

Acrescem as recentes alterações de legislação que desvirtuam a contratação colectiva e aumentam a insegurança no trabalho e a precariedade. A isto chamam “flexibilidade laboral” e dizem que é bom para a nossa economia… Tal como a obsessão na descida dos custos unitários do trabalho, que fez com que as remunerações de muitos trabalhadores recuassem a valores da década transacta. Voltamos à máxima Montenegrina “a vida das pessoas não estar melhor, mas o país está muito melhor”.

Existe ainda uma enorme fatia de desempregados de longa duração e uma cada vez maior franja de pessoas que, pura e simplesmente, desistiu de procurar trabalho. Cedeu à desesperança… E essas, já nem contam para os números do desemprego. Escusado será dizer que toda esta tumultuosa relação que o Governo tem com o emprego, a quebra da contratação colectiva, o aumento da insegurança e da precariedade, a desvalorização salarial, são factores que pesam muito na estrutura da segurança social, já de si fragilizada e sempre posta à prova em alturas de crise. Este é um dos lados perversos da “flexibilidade laboral”.

Em suma, fica aqui patente uma das parcelas da nossa realidade, do nosso quotidiano. Um dos exemplos que esta austeridade nada tem de rigor, mas transborda terror social. No entanto, há uma resistência enorme em percepcionar a realidade pela maior parte de nós. Talvez tal posição se deva ao receio que temos de que ao renegar a ilusão a que estamos subjugados, a realidade nos possa apanhar. E como diz o escritor, “a realidade é muito absurda”. Mas continuar a viver num estado de dormência, apenas desejando com todas as forças que a realidade não nos desperte, qualquer dia pode já não ser suficiente. E aí, talvez tudo se torne ainda mais absurdo…

Texto de: Miguel Dias

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Discurso de introdução à conferência “Educação, democracia e desigualdades”

O seguinte texto corresponde ao discurso feito por Ana Mafalda Pernão, directora da Escola de Música do Conservatório Nacional, e que serviu de introdução à conferência “Educação, democracia e desigualdades”, organizada pela candidatura LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR no dia 21 de março.

Como anfitriã, não posso deixar de aproveitar a vossa presença para, mais uma vez, denunciar a situação a que sucessivos governos deixaram chegar o edifício do Conservatório Nacional, apesar de todo o trabalho que alunos, docentes e não docentes desenvolvem aqui diariamente.

A música, a arte e a cultura

  • este edifício é exemplo da falta de investimento na cultura, nas artes e na

educação artística em particular.

  • o ensino artístico foi sempre tratado, pela maioria dos decisores da política da

educação, como o parente pobre:

– porque nunca foi entendido por quem não o conhece

– porque é difícil quantificar o seu sucesso em dados quantitativos

– porque só muito recentemente foi estruturada a formação superior nessa área

– porque a sua prática pedagógica não encaixa numa estrutura espartilhada do ensino em geral, tal como este é hoje prática nas escolas básicas e secundárias.

– No entanto, cada vez mais se fala da grande importância que a prática artística deve ter na formação das crianças. Ouvimos notícias, lemos estudos, partilhamos conversas, sobre o contributo que a prática das artes, em especial da música, proporciona ao desenvolvimento das crianças, mesmo que não se especifique exatamente que aspetos em particular beneficiam da mesma.

 A EMCN

Nesta escola, que neste momento atravessa uma das etapas mais mediáticas de toda a sua história, já de 180 anos, debatemo-nos com um investimento cada vez mais diminuto, sem que isso corresponda a uma menor exigência na apresentação de resultados. Pelo contrário, nos últimos anos tem aumentado a qualidade da formação dos nossos jovens músicos.

No entanto, o espaço que habitamos tem salas onde se olha para o teto antes de entrar, para verificar que este não nos vai cair na cabeça, espaços de trabalho inexistentes, como seja sala de alunos, salas de atendimento de EE, espaços de estudo individual (porque os músicos são solitários na sua batalha diária de se superar a cada dia), este Salão, que todos os dias geme um pouco mais alto, enquanto as apresentações públicas decorrem, como prática formativa essencial na formação do músico.

Abandonar esta escola é renegar a cultura Nacional, os poetas, os compositores, o espetáculo, a arte. A cultura moderna em Portugal tem também aqui a sua história.

Esperamos que este percurso descendente, com o nosso contributo, possa ser travado ainda a tempo.

Citando António Ângelo Vasconcelos: “Hipotecar o presente é criar condições de impossibilidade na construção de novos imaginários e de uma sociedade democrática mais culta e plural.”

Agradeço, em nome da Escola de Música do Conservatório Nacional, a vossa presença e por trazerem até aqui a discussão sobre a educação em Portugal.

A propósito de Agenda Inadiável, uma sexta-feira treze para a Europa.

Pat Cox, antigo Presidente do Parlamento Europeu, 15 anos de assento parlamentar na Europa, actual presidente da Fundação Jean Monnet para a Europa, economista irlandês, primeiro secretário-geral dos Democratas progressistas na Irlanda, passou por Lausanne a semana passada.
Sou ignorante sobre os seus contributos passados, mas o senhor comprou uma batalha de opinião pública na Suíça, uma espécie de laboratório intelectual económico da Alemanha, e é esta cauda de cometa que interessa para a nossa história.
Na UNIL, Universidade de Lausanne, Pat Cox denunciou a política de austeridade:
“O plano de resgate grego serviu os bancos franceses e alemães, assim como os gregos ricos, e não a população grega. A Europa fez falsa manobra. Para sair desta crise sem fim da dívida que ameaça modificar definitivamente a opinião pública sobre qualquer sonho europeu, é urgente relançar o investimento e lutar contra o desemprego massivo dos jovens. (…). A Europa precisa de uma nova era Monnet.”
Este discurso poderia passar despercebido não fosse a presença e intervenção do Embaixador da nação “indispensável”, Otto Lampe: “Nasci em 1951 na esperança de ver realizado os Estados-Unidos da Europa. Por ora ela não existe: não há nem união económica, nem fiscal. Contrariamente ao que defendem os advogados do relançamento económico, não há margem de manobra fiscal para os investimentos sem aumentar a dívida das gerações futuras. O Senhor esqueceu a dimensão política e de paz da Europa no seu discurso. Sou Embaixador da Alemanha, e jamais serei representante de uma nação hegemónica”, concluiu secamente.

Pat Cox defendeu-se:
– “Sim, um plano de relançamento alemão de 14-15 mil milhões não alterará nada na Europa, mas rigor sim, rigidez não.

Já em Dezembro de 2014 o Presidente Irlandês – Michael D. Higgins – havia feito um discurso memorável  e de grande profundidade em pensamento económico, contra a austeridade, na Universidade de Chicago, berço do pensamento neo-liberal.

Aqui temos duas figuras maiores da política Irlandesa, país que é suposto ser o caso de sucesso da austeridade, a praticarem diplomacia contra a austeridade, e em nome da Europa.

Em Outubro de 2014, Mark Blyth explicou na Gulbenkian em que medida o caso Irlandês é um caso de sucesso. Assente em factos e em métodos de inferência de causalidade, como só os escoceses e alguns ingleses o sabem fazer, demonstrou como a Irlanda se conseguiu reerguer não por causa, mas apesar, da austeridade. Atraindo multinacionais com pacotes fiscais. E talvez seja cedo para falar de sucesso. Quintuplicou a sua dívida e perdeu 50 000 licenciados por ano durante 5 anos, numa população de 4,7 milhões. 62% dos agregados familiares têm rendimentos abaixo da média da população, €56,500, i.e. a média é puxada para cima pelos 2% com maiores rendimentos.

Por coincidência, na sexta-feira treze a Islândia retirou o seu pedido de adesão à UE. Para lá de desacordos sobre a política agrícola e da guerra da Cavala, a Europa já não é atraente; nem mesmo quando somos 320’000 almas penadas sobre um icebergue a flutuar em magma. Depois de em 2010 terem mandado os credores ingleses e holandeses passear, e sobrevivido; depois do governo de Johanna Sigurdardottir ter apurado as contas, ter aceite um plano de rigor do FMI, ter gerido o crédito externo e reerguido a economia, uma vaga nacionalista varreu o país. Com uma taxa de desemprego em 3%, o turismo em plena expansão e a dívida privada sobre bens imobiliários parcialmente resolvida, estimam não mais precisar da Europa. Contentam-se em fazer parte do espaço sem passaporte, Schengen, e da NATO.

Esta lenga-lenga toda para apelar, caríssimos libertários portugueses, que a ordem de trabalhos número 1 da Agenda Inadiável de qualquer futuro governo Português não pode deixar de ser outra que o processo contra a Troika junto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Também pode ser contra a Comissão Europeia, o BCE e o FMI. E podemos acabar todos à mesa numa conferência Europeia sobre a dívida. Só que quanto mais observo o tabuleiro de jogo aqui do centro da Europa, mais me convenço que temos que saltar com o cavalo em L e comer o bispo.
Só nesta ágora conseguimos fazer o agora. Só em semelhante fórum é possível trazer para cima da mesa toda a verdade dos factos, e com a calma necessária. Não há tempo, tantos para portugueses como para a própria Europa, para jogadas de xadrez intermináveis. Os gregos estão a fazer o que podem, e têm avançado, mas não é suficiente, e não suficientemente rápido. O cavalo Lusitano tem que aparecer.
As reuniões do eurogrupo são superficiais, banais, bocejais. Analisam-se apenas cenários económicos com estimativas de impacto nas finanças públicas, quando esta é também uma discussão de história. O ministro das finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, e presidente do eurogrupo, disse na sexta-feira treze – “Na Grécia, a responsabilidade dos problemas é demasiadas vezes atirada para fora da Grécia, e a Alemanha tornou-se a principal vítima.”

Como quando um casal se divorcia. Há todo um jogo para imputação de responsabilidades, e sobre a sua proporção. A carga emocional passada é demasiada para se tomarem boas decisões, de ambos os lados. E as crianças que se lixem. Chame-se a Justiça, o Mediador. Os gregos lembram que a Alemanha lhes deve 163 mil milhões em reparações de guerra. Portugal deve lembrar que a ex-Troika o coarctou a assinar um consentimento (des)informado para a toma de um medicamento teratogénico para o qual ainda por cima não tinha indicação. Entre 2009 e 2012 por cada 1 euro não gasto de Orçamento do Estado, para cumprir com a política de austeridade, perdemos 1,4 euros de riqueza. A correlação entre austeridade e aumento da dívida é de 0,966 (quanto mais perto de 1 maior o factor “austeridade” explica a variação observada no factor “dívida” em relação a outros factores que poderiam potencialmente explicar esta variação). Isto, associado à consistência na replicação dos efeitos da austeridade na história – Argentina, Brasil, Chile, Equador, Bolívia, Bielorrússia – é evidência de causalidade. Para lá do impacto no PIB, ainda não estimámos, ainda que o sintamos bem na pele, o seu impacto socioeconómico.
Não fazermos este trabalho colectivo é perder a oportunidade de sanar os bancos, um pilar essencial da vida económica, é perdermos a oportunidade de corrigir o que tem que ser corrigido, é tornarmo-nos menos competitivos. É definharmos na própria auto-sabotagem.

Se isto é primeiro mundo, quero justiça à terceiro, à Africana, a restaurativa, e os seus Conselhos de Verdade e Reconciliação.

Não temos distância temporal para fazer este trabalho? Chamem os canadianos, suíços ou suecos.

Um programa eleitoral de baixo para cima?
Todos nós, Europeus, queremos clareza e resolução nesta matéria. O Ricardo Paes Mamede e o seu meritório esforço pedagógico para explicar a complexidade das operações bancárias que estiveram na origem da crise, da sua propagação e amplificação, não chegam ao eleitorado de Wolfgang Schäuble. Penso que estamos todos cansados de mentiras, que sacudam a água do capote, e do barulho da desinformação;
Evitar votações prematuras em processo de democracia deliberativa, para clarificação suficiente do significado e implicações das alternativas?
Há um ano atrás achava que esta ideia de colocar a Troika em tribunal, que constava do programa do Livre às Europeias, era uma daquelas à esquerda radical. Hoje acho inadiável, e deve fazer parte de uma agenda responsável de qualquer partido português, que esteja realmente interessado em servir o país. O pior que pode acontecer é o status quo ou sermos convidados a sair do Euro, em que é que isto é diferente do caminho onde estamos?
Um programa eleitoral é uma declaração de objectivos e de expressão de determinação em lutar por eles?
Então que nele conste – depositar processo junto do TJUE nos primeiros 90 dias de governação;
Um programa eleitoral deve afirmar “o quê” e “o como”?
O quê já sabemos, o porquê também. O como não sei, não sou jurista e menos ainda especialista em direito comunitário. Dizem-me que não há caso porque o nosso governo foi democraticamente eleito. Não me conformo, são as leis que servem os homens e não o seu contrário, por isso precisamos de legitimidade democrática e de 90 dias para trabalhar na estratégia jurídica.

Colocar a ex-troika, ou as instituições que a compunham, em tribunal, é reparar-nos a todos. É tão radical quanto uma cirurgia o é. É o que tem que ser. E o que tem que ser, tem muita força.

Texto de : Luísa Álvares

Destruição do Serviço Nacional de Saúde

O Serviço Nacional de Saúde (SNS), como todos concordarão, é uma das conquistas fundamentais da nossa Democracia mas é, também, um exemplo de como um serviço público pode ter um excelente desempenho. Na verdade, foi este SNS que permitiu que Portugal atingisse, em relativamente poucos anos, excelentes indicadores de saúde que nos colocaram nos primeiros lugares a nível mundial, superando mesmo alguns países considerados mais desenvolvidos.

Mas, o que se tem verificado nos últimos anos, é um brutal desmantelamento deste SNS, resultado de vários factores, alguns dos quais são pouco conhecidos da população em geral, mas são esses, a meu ver, que constituem o golpe mais profundo que se está a desferir no SNS e que, se não for invertido, levará inevitavelmente ao seu desmembramento, sem retorno fácil.

Já é amplamente conhecido de todos que houve uma drástica redução no financiamento do SNS, com consequências graves no funcionamento de muitos serviços (e recordo que, mesmo com elevados índices de eficácia, o nosso SNS é o que gasta menos dinheiro/cidadão, na UE) e, por outro lado, continua a assistir-se à emigração de profissionais de saúde, que já atingiu números preocupantes.

No entanto, o que eu quero aqui sublinhar é que a qualidade do SNS se deve, em grande parte, ao elevado nível de exigência na formação dos profissionais de saúde, tanto médicos como enfermeiros, sendo reconhecida internacionalmente a qualidade tecnico-científica dos nossos especialistas. No âmbito das Carreiras Médicas, os médicos passam por uma série de etapas de avaliação, através de concursos públicos, que vão reconhecendo a sua gradual diferenciação, numa hierarquização do conhecimento e da experiência. E assim se constituem equipas coordenadas pelos médicos mais diferenciados e experientes e que integram também os médicos em formação.

Ora, presentemente estão a ser destruídas equipas médicas e também de enfermagem de excelência. Muitos serviços, nomeadamente os serviços de urgência, estão a funcionar com base em médicos contratados, através de empresas privadas, como tarefeiros, a horas ou a dias, sem qualquer vínculo às instituições e sem qualquer possibilidade de continuidade no acompanhamento posterior dos doentes. Estes médicos contratados são habitualmente menos diferenciados, não há qualquer critério relacionado com o mérito na sua contratação e, para espanto (ou não) de todos, o seu preço/hora é superior ao de qualquer médico da carreira hospitalar. Por isso está-se a gastar mais dinheiro com menos qualidade!

Mas tudo isto é feito com o pretexto de reduzir custos e salvar o SNS!

Também muitos enfermeiros experientes estão a ser substituídos por outros, mais jovens e inexperientes, mais mal pagos e com contratos precários, que se vêem sem apoio e o necessário enquadramento.

Outra grande preocupação é a formação médica.

Os hospitais estão a esvaziar-se de médicos altamente qualificados e experientes. Estão desmotivados com a deterioração dos cuidados de saúde e com as gestões hospitalares, cada vez mais economicistas e baseadas em contratos de programa, por vezes completamente desfasados das necessidades das populações.

Com o afastamento dos médicos mais experientes, com a destruição de equipas médicas hierarquizadas e multidisciplinares, com a restrição financeira em áreas chave, como iremos formar os futuros especialistas deste país?

E, inacreditavelmente, todas as medidas que têm sido implementadas são anunciadas com o propósito de salvar o SNS!

Mas, como é lógico, visam não só o seu desmantelamento, como o fortalecimento da medicina controlada pelos grandes grupos económicos. Há ainda muitas pessoas que não estão muito preocupadas com esta situação e consideram que um seguro de saúde é uma boa alternativa ao SNS. No entanto esquecem-se que, se tiverem uma doença grave, não há plafond nem sequer fortuna pessoal que garanta os tratamentos necessários. Recorrerão, então, ao serviço público mas, nessa altura, ele já será apenas um mero serviço assistencialista, com cuidados de baixa qualidade, incapaz de dar resposta às suas necessidades.

É fundamental, por isso, que:

  1. Se restabeleçam as condições para a existência de um Serviço Nacional de Saúde exigente, com financiamento adequado, constituído por profissionais competentes e credenciados.
  1. Se garanta uma formação médica rigorosa e contínua que possa responder às necessidades de uma medicina altamente qualificada e diferenciada.
  1. Se criem as condições de trabalho que permitam reter no Serviço Público os profissionais mais experientes e capazes, garantindo cuidados de saúde de qualidade a todos os cidadãos, independentemente da sua condição socio-económica.

Texto de: Teresa Silva

Para que serve um “resgate”?

Quatro anos volvidos sobre o início de um programa de “ajustamento” em Portugal, que deixa na sociedade um rasto de enorme destruição, sem precedentes na história recente, interessa fazer um balanço e perguntar para que serviu.

Também a nível europeu, as políticas de “austeridade” estão finalmente a ser postas em causa, em vários países e pelas próprias instituições europeias, de forma implícita ou explícita. E um exemplo de extrema importância actual é a situação da Grécia, onde a mudança de governo tem por base um mandato democrático para acabar com o ciclo de depressão.

Comecemos então por analisar em que consistiram os “resgates”.

A partir da ganância das IMFCOs – Instituições Multinacionais Financeiras do Crime Organizado que, ao aumentarem exponencialmente os seus lucros através da manipulação selectiva de instrumentos financeiros em esquema de Dona Branca (se não é crime de forma legal, é simplesmente porque o legislador fechou os olhos), que deliberadamente não transferiram esses enormes lucros para a economia real, mantendo-os nas posses dum número reduzidíssimo de accionistas e executivos, e exagerando na concessão de crédito duvidoso, chegou-se a uma situação de colapso em 2008, com a falência de algumas destas instituições [safando-se, curiosamente ou não, as que eram “too big to fail” – com dinheiros públicos, já lá vamos].

Perante a desorientação geral dos governantes [e com a elite intelectual a bradar que o “neo-liberalismo” tinha implodido, mas sem nada fazer], as agências de “rating” tomaram a primeira medida: obrigar os estados, ou seja as democracias, ou seja os contribuintes, a pagar o descalabro dos bancos e das IMFCOs. Como? É simples: Ao inventar a mentira de que certos estados estão falidos – ao serem classificados como “lixo”, podem obrigar-se a negociar com os bancos, de modo a que os contribuintes desses estados transfiram os seus salários/pensões para os bancos, estes sim, a precisar de resgate, pois herdaram os produtos tóxicos do crédito mal-parado (e mal concedido). Recorde-se que os bancos são clientes das agências de “rating”.

Foi exactamente o que sucedeu em Portugal. Não esquecendo que há muitos problemas estruturais que podem e devem ser resolvidos no nosso país (problemas esses que, aliás, só pioraram, com a “intervenção”), nunca seria apenas o défice, nem a dívida pública que travaria, sem a intervenção externa das agências de “rating” e demais pressões internas (manipulação dos media e a ganância pelo poder), a trajectória de convergência de Portugal com a UE, que estava a ser muito bem sucedida na primeira década do século XXI, como muito bem frisa o sociólogo Robert Fishman em “The unnecessary bailout”, entre muitos outros.

Obviamente, o mesmo não sucedeu na Alemanha, que em 2009 tinha uma dívida pública de 76% do PIB, praticamente a mesma que Portugal, porque o contribuinte alemão ficou imediatamente protegido, não apenas pelo seu governo, que se recusou liminarmente a dar o dinheiro do seu contribuinte para salvar bancos privados, como isto foi reforçado pela actuação do Tribunal Constitucional Alemão. A Bélgica, cuja dívida ultrapassava, no mesmo ano, os 120% do PIB não foi “intervencionada”. Assim, apenas os países com governos subservientes aos interesses dos IMFCOs foram “resgatados”.

Por falta de espaço, houve simplificações e omissões na história apresentada, além de nuances e variações de país para país (por exemplo, a Irlanda sofreu menos com o “resgate”, essencialmente porque o seu governo não foi mais troikista que a troika). Mas saliente-se o fundamental: a transferência de salários/pensões para bancos, e as suas nefastas consequências. Há quem ache que os bancos devem ser salvos sempre, porque financiam a economia real. É verdade em geral, mas isso não acontece em períodos de recessão, porque a probabilidade de recuperar um investimento é menor. Assim, e como não se podem obrigar bancos privados a emprestar dinheiro em períodos de contracção, apenas os bancos estatais podem fazer esse papel.

Acontece que, nos países do Euro isso se torna mais complicado, pois há várias dívidas a gerir, mas apenas uma moeda. E apenas o BCE consegue fazer esse papel, estando como se sabe, ainda muito condicionado pelos países mais influentes na UE. Deixando os bancos de investir, de emprestar, estando simplesmente a cobrir as perdas, pelas quais são os principais responsáveis, o desemprego aumenta.

Assim, o problema, já de si grande, da transferência de salários/pensões para os bancos que conduz ao empobrecimento geral da população, desigualdades de rendimentos e de oportunidades, leva ainda a outro problema igualmente grave: ao aumentar o desemprego e a emigração, a economia perde, naturalmente, a sua competitividade. Não é possível despedir, inclusivé incentivar a emigração, pagar menos, e esperar que os trabalhadores contribuam exactamente o mesmo em termos produtivos. O PIB baixa (levando também ao aumento da dívida pública, em percentagem do PIB) e a recessão é inevitável. No médio e longo prazo, há problemas demográficos, a sustentabilidade da segurança social é posta em causa, e criam-se condições para o fim da solidariedade geracional.

A conclusão da lição é simples: Estes “resgates” são formas de emprestar dinheiro a um país de modo a subsidiar a não produção.

Quando Cavaco Silva foi primeiro ministro, foi “pioneiro” na utilização de subsídios europeus à não produtividade nos sectores da agricultura e das pescas. Os dinheiros do Fundo Social Europeu foram usados para compensar quem deixou de trabalhar e de produzir. O argumento essencial era que Portugal tinha sector primário e secundário a mais, e que um país “moderno” só precisava do sector dos serviços. Vê-se bem a “genialidade” deste argumento olhando para a Alemanha e a França, países certamente muito antiquados, de acordo com este senhor.

Com o governo de Passos Coelho inicia-se uma nova era na “modernização” de Portugal – 78 mil milhões de euros foram usados para obrigar um país, em notável rota de desenvolvimento e convergência com a média europeia, a deixar de produzir não apenas na agricultura e indústria, como agora em todos os sectores da economia! Como exemplo notável, pode referir-se o enorme desinvestimento ao nível da formação qualificada, e da Investigação e Desenvolvimento, os instrumentos de maior potencialidade produtiva a médio prazo. O argumento agora é que há “licenciados”/”doutorados” a mais (quando a verdade é que estes jovens portugueses são, de forma semi-automática, contratados pelas grandes empresas alemãs, holandesas, etc).

Um segundo exemplo notável é a privatização, porventura irreversível, de empresas estratégicas, muitas das quais lucrativas, que não só garantiam postos de trabalho, como projectavam a imagem de um Portugal moderno e inovador. O governo de Passos Coelho/Portas ficará conhecido na história como o governo da subsidiodependência generalizada a toda a sociedade. O governo que transformou o contribuinte português, num beneficiário da “solidariedade social europeia”.

Com a mudança de governo na Grécia, ainda que o futuro seja tudo menos claro, a boa notícia é que este modelo de “resgate” está a ser questionado e terá forçosamente que ser discutido.

É minha opinião que existe outro conceito de resgate que pode e deve ser utilizado em alternativa. Acima vários parágrafos foram necessários para explicar um “resgate” falseado. É uma história complicada, e muitas mais palavras seriam necessárias para explicá-la com o detalhe que merece.

Por contraste, um resgate honesto é extremamente fácil de explicar e faz-se em poucas palavras. Será? Claro, uma vez que é o que toda a empresa com boas ideias, todo o empreendedor com visão faz constantemente. É intuitivo: investir na produção.

Por mais que os governos “austeritaristas” queiram, as pessoas não morrem todas de um dia para o outro. E há mesmo pessoas em idade activa que, por mais que lhes tirem o salário, querem mesmo trabalhar e contribuir para a sociedade onde estão inseridas. É espantoso!

Não é verdade que os povos do sul sejam preguiçosos, pois tanto portugueses como gregos, como todos os povos trabalham bem, desde que tenham a formação adequada, boas condições de trabalho, e sejam responsabilizados por ele.

Para acabar com a destruição de emprego, com a recessão de largos anos de políticas de “austeridade” é necessário financiamento, naturalmente. O governo Grego está empenhado em obter esse financiamento em negociação com os parceiros europeus. É, no entanto, claro que deixou de ser aceitável o subsídio à não produção. Para além de ser óbvio que uma sociedade que não produz, não pode pagar nenhuma dívida, por mais pequena que seja. O financiamento tem que potenciar a capacidade de gerar emprego, a formação, e tem que colmatar a situação de caos social em que a Grécia está mergulhada. Obviamente, um subsídio/investimento na capacidade produtiva não pode ser feito de ânimo leve. Tem que ser monitorizado e avaliado pelo estado de forma regular. No entanto, não é Berlim, nem a Troika que o deve fazer, sob pena de se subverter a democracia.

Precisamente, ao contrário de governos anteriores, o Syriza mostra-se verdadeiramente empenhado em acabar com a evasão fiscal e a economia paralela (outro dos problemas que sempre aumenta em períodos de recessão). Estas medidas são sensatas e exequíveis, embora se reconheça a dificuldade de implementá-las de forma imediata. Insistir nos mesmos erros é que não é admissível. Além disso, até ao momento, são precisamente as medidas propostas por Tsipras e Varoufakis as que, de forma mais clara, podem conseguir colocar que a Grécia em condições de cumprir os acordos com os credores.

É preciso muito cinismo para argumentar contra a necessidade de um resgate honesto na Grécia. Apenas por teimosia e medo do confronto com a realidade é que se pode continuar a defender uma “austeridade” como solução milagrosa para os problemas do défice e da dívida pública. É pois, um imperativo europeu, dar as condições à Grécia, para a financiar a sociedade e a produtividade de forma responsável, e fazemos votos para que não mude o seu rumo.

Da nossa parte, só temos que fazer o mesmo, e rejeitar liminarmente todo e qualquer condicionalismo ao nosso desenvolvimento individual e colectivo. É também um imperativo de qualquer governo futuro reverter o aumento das desigualdades em Portugal, caminhar para a igualdade de oportunidades, para o acesso geral à educação e saúde, e para regressar a um modelo de solidariedade geracional, um dos pilares das sociedades mais evoluídas.

Texto de: Carlos Florentino

Falemos de pessoas

Não é fácil gerir o dia-a-dia… A administração do quotidiano, dos sucessos e insucessos, pode ser exacerbante. À medida que calcamos caminho afiguram-se novos desafios que terão de ser enfrentados. Quando alguém conquista certos êxitos na sua vida e ganha uma posição de relativo destaque ou poder, as coisas tendem a complicar-se e não raras vezes essas pessoas descarrilam do trilho que escolheram. Existe a ideia pré-concebida de que à medida que uma pessoa “sobe na vida” deve deixar de dar importância a determinadas matérias. Questões menores, como muitas vezes são apresentadas. Eu acho o contrário!

Na verdade, é chegando a esse ponto que a nossa influência deve ser direccionada na ajuda ao próximo, tentando alterar o estado de coisas. Pelo menos no meio em que nos movimentamos. Se é frequente assistir por parte do cidadão comum a atitudes que defendem um bem maior e uma melhoria social, que será transversal à sociedade, quando esse mesmo cidadão “chega ao topo” facilmente esquece a defesa desses valores. Comummente transforma-se numa criatura egoísta e ensimesmada, onde os únicos desideratos serão a prossecução de objectivos pessoais e o benefício “dos seus” (familiares ou aliados de circunstância).

Mas esta generalização, embora tenha fundamento na vivência que experimentamos há várias décadas, não pode nem deve encobrir uma minoria que pensa de forma diferente; que vê a ascensão e o poder não como um fim em si mesmo, mas como uma forma de beneficiar toda a sociedade; que coloca o enfoque sobre a vertente social. Uma minoria que não vê o país como uma abstração numérica, no qual impera uma visão individualista e uma ditadura dos mercados. Portugal é de todos, mas este país, e suas elites governativas, não tem tratado todos de igual forma.

Assim, uma mudança de políticas onde o âmago está nas pessoas é necessária e urgente. Esta urgência não pode continuar a ser colocada em segundo plano relativamente a metas orçamentais, compromissos financeiros e exigências económicas, que nos são impostas por entidades externas isentas de qualquer pingo de solidariedade. O país tem vivido prostrado por tais imposições, sem oportunidade de se reerguer e de optar por outro modelo económico, que aposte num crescimento sustentado (e sustentável) e onde existam mais remédios para além das exportações. A palavra competitividade, repetida até à exaustão no discurso político vigente, tem de ser substituída pela palavra complementaridade. Só assim fará sentido a inserção de Portugal no espaço europeu que se fundou solidário e tem deixado de o ser.

Só através da implantação de um modelo de desenvolvimento que cumpra os critérios constitucionais e que oriente a economia nacional para a população, podemos cumprir o compromisso primordial nas democracias modernas, que no fundo não é mais do que o contracto social que liga o Cidadão ao Estado. Se os compromissos são para cumprir, este é o mais importante de todos. Porque falamos de pessoas.

Texto de: Miguel Dias

O carácter de Pedro Passos Coelho

Recentemente discuti com um amigo meu se o Pedro Passos Coelho é um extremista alucinado com boas intenções (como o seu ex-ministro Vítor Gaspar), ou um indivíduo sem qualquer réstia de escrúpulos ou integridade (como o seu ex-ministro Miguel Relvas), disposto a sacrificar os seus concidadãos no altar da sua ambição pessoal, em nome da sua mesquinha vaidade.
Quem me conhece, sabe que acredito na segunda hipótese.
Por muito que queira combater e considere perigosas as ideias e convicções de Vítor Gaspar, que tanto mal fizeram a este país, é-me fácil ter algum respeito pelo indivíduo.
Não era um indivíduo estúpido (longe disso, pelo que percebi), estava a fazer o melhor que podia e sabia, e qualquer um de nós deve temer estar tão equivocado a respeito da realidade como ele estava.

Mas Pedro Passos Coelho é outra loiça.

I

Ainda muito antes de chegar ao poder já estava envolvido em situações duvidosas com o seu companheiro Miguel Relvas (que, anos mais tarde, tentou manter no governo tanto tempo quanto foi possível).
Desde o que se passou na Tecnoforma, e as respectivas despesas de representação não declaradas, até um sem número de cargos de administração que surgem sem currículo que o justifique, entre muitos outros episódios, a verdade é que estamos a falar de um indivíduo cujo passado não inspira confiança.

II

Depois, veja-se o próprio episódio que leva Pedro Passos Coelho ao poder.
O líder do PSD dizia acreditar que a dívida deveria ser paga integralmente, e que portanto seria necessária “austeridade”. Se assim fosse, o interesse nacional seria aprovar o PEC IV – uma estratégia de “austeridade leve” – que não criaria uma crise política em cima de uma crise financeira, sem disparar os juros e colocar em causa a solvabilidade do país.
Note-se que eu não estou a defender o PEC IV, ou a criticar quem votou contra o PEC IV. Quem rejeita a estratégia austeritária tinha excelentes razões para votar contra esta via. Mas se Pedro Passos Coelho defendia o pagamento integral da dívida, certamente não iria preferir pagar juros mais altos a troco de nada que não a perda de soberania nacional… e por isso mesmo soube-se que ele iria aprovar o PEC IV.

Mas Marco António Costa disse “ou há eleições no país ou há eleições no PSD”. E entre o interesse nacional e a sua ambição pessoal, Passos Coelho não hesitou.
Até o seu correlegionário Durão Barroso teve de reconhecer o prejuízo para o país que adveio da escolha de Passos Coelho.

Mas lembram-se de quando eu disse que única razão aceitável para ser contra o PEC IV seria a de ser contra a austeridade? Aparentemente Passos Coelho concordou comigo, porque teve a distinta lata de comunicar ao país que chumbava o PEC IV porque “chega de sacrifícios!”.

Afinal, quem quer a todo o custo aplacar os mercados deve acreditar nos seus critérios, e as extraordinárias subidas de juros após a telenovela criada por Passos Coelho mostram que sua opção teve custos inequívocos e trágicos para Portugal.

jv
III
Se foi em nome do “fim dos sacrifícios” que Pedro Passos Coelho chumbou o PEC IV, esse foi também o mote da sua campanha eleitoral.
Este indivíduo “governou” durante cerca de três anos a dizer-nos que vivemos acima das nossas possibilidades e que são necessários mais sacrifícios, mas passou uma campanha eleitoral inteira a chorar pelos pobres portugueses demasiado sacrificados.
 
Nenhuma pessoa com um pingo de pudor e integridade teria aceitado governar como governou após uma campanha destas, ou fazer uma campanha destas acreditando no que disse acreditar ao longo dos últimos três anos.
Para ver este vídeo é preciso ter estômago, e estar preparado para sentir uma aversão à pessoa do nosso primeiro ministro que em muito ultrapassa qualquer divergência ideológica.
IV
A “governação” começou logo com a grande cambalhota discursiva. Passos Coelho começou de imediato a afirmar que os sacrifícios em vez de excessivos eram insuficientes, entre outras supostas “mudanças de perspectiva” (por exemplo: o TGV, que era supostamente uma obra decisiva para o nosso desenvolvimento, quando o que importava era atacar Manuela Ferreira Leite).

Mas o pior nem foi o discurso – foi a acção. Ao longo de um ano fiz uma compilação de fortes indícios (ou provas) de despesismo e corrupção durante a “governação” de Pedro Passos Coelho. Os exemplos eram tantos e tão frequentes que acabei por não encontrar tempo e disponibilidade para continuar este esforço. Alguns destes pontos, sendo da responsabilidade política do primeiro ministro, certamente não serão sua responsabilidade pessoal.
No entanto, existem vários que nos dizem bastante sobre o carácter e (falta de) integridade de Pedro Passos Coelho, dos quais destaco esta promessa feita a Carlos Pinto, de acordo com o que a Visão nos relata.

V

No fim, para compor o ramalhete, não posso deixar de falar na atitude “colaboracionista do actual “governo”.

Poder-me-ão responder que esta postura não demonstra a falta de escrúpulos dos actores envolvidos, que ele acreditam que uma atitude não confrontacional (servil) para com os alemães é aquilo que melhor serve o país, e eu terei de concordar que isso é possível.
Aliás, ainda acima digo que Vítor Gaspar – tanto quanto sei – é um indivíduo honesto, e ele próprio defendeu e executou esta estratégia de apaziguamento, levando-a ao extremo.
No entanto, os desenvolvimentos recentes permitem distinguir entre quem defende a estratégia de apaziguamento por acreditar genuinamente na sua incapacidade negocial para defender melhor os nossos interesses de outra forma, e quem o faz por considerar a sua sobrevivência política muito mais importante que o futuro do país.
Falo, claro, da vitória do Syriza e das implicações que traz para Portugal. Um governo que defendesse os nossos interesses (por anti-imperialismo à esquerda, ou patriotismo à direita) estaria hoje a apoiar as pretensões da Grécia, pois elas representam um enorme potencial ganho para Portugal.
Agora que receberam o inesperado apoio de Obama a Hollande, Portugal poderia aproveitar a ocasião para ganhar recursos e fazer poupanças, desperdiçando uma menor fatia do erário público em juros.
Claro que isso implicaria (indirectamente) reconhecer o falhanço da estratégia apaziguadora, mas um governante íntegro que a tivesse conduzido com as melhores intenções preferiria que a sua asneira se tornasse clara do que prejudicar os nossos interesses desta maneira.
Em vez disso, esta gente opta por tratar os seus eleitores como estultos, e falar-lhes nas ninharias que Portugal pode perder se a Grécia não pagar tudo, esperando que ninguém tenha capacidade mental para perceber que o país ganhará várias dezenas de vezes mais do que aquilo que possa perder, caso um cenário desse tipo tenha lugar.»
Texto de João Vasco

Libertar o Potencial de Massa Crítica dos Portugueses Emigrados

A Emigração é um enorme potencial de participação política, de apoio e de resultados eleitorais.

Pode dizer-se que durante longos anos a Emigração não tem participado nos actos eleitorais portugueses. Os emigrantes não são eleitores. Não votam. Não têm expressão.É importante declarar tal facto, alto e bom som.

As razões são variadas, como já tem sido exposto, incluindo o desmotivador e distanciador facto de os deputados pelos círculos da Emigração não serem eles próprios emigrantes, mas antes profissionais da política que usam os círculos da emigração como trampolim para a AR.

De facto, os emigrantes não têm contado para nada nas escolhas políticas que Portugal faz para si. Os milhares de portugueses que andam pelo mundo inteiro, agora e desde há muitos anos,… é como se não existissem, como se fossem fantasmas invisíveis. Não contam.

Ora, fossemos nós marketeers e diríamos: “há aqui um enorme potencial de mercado a abrir…e sempre a abrir!!”

Pode dar muito bons frutos o investimento na comunicação eleitoral dirigida aos portugueses emigrados, sejam eles info-incluidos ou info-excluidos. Este investimento exige comunicação através das redes sociais usadas pelos emigrantes em paralelo com eventos locais de cariz temático e formativo. A acção política é isto mesmo: comunicação, activismo, formação, consciencialização, cidadania.

Crucial é também o investimento numa acção interna de lóbi na cena política para descomplicar a legislação que regula o recenseamento eleitoral no estrangeiro que não é automático para o cidadão português emigrante, discriminando-o em relação ao cidadão português que vive em Portugal, e cujos procedimentos são extremamente complicados, sobretudo quando o posto consular fica a 40, 80 ou mais kms de distância, ou quando não sabemos bem lidar com o portal do eleitor (o que não é de todo trivial)!

E ainda crucial é fazer-se uma auditoria à fiabilidade dos dados do recenseamento eleitoral nacional! Há seguramente 20 anos que os dados do recenseamento são inflacionados para o território nacional, sub-representando para os círculos internacionais.

Não há tanta gente a residir em Portugal e a efectivamente poder votar em Portugal, como indicam os cadernos eleitorais. Estimados em cerca de 300-400 mil eleitores (1), existem muitos portugueses a residir fora de Portugal e a votar em lugar nenhum! São os portugueses fantasmas, registados ainda nas juntas de freguesia onde já não vivem há 20 ou 30 anos, onde só vão 15 dias de férias.

Tais cadernos eleitorais nacionais têm consequências negativas para a democracia, para a validade dos referendos, e para a leitura que se costuma fazer do alheamento dos cidadãos, da abstenção eleitoral. Esta leitura oficial influencia e promove mais alheamento. Círculo vicioso, uma pescadinha-rabo-na-boca que se serve num bonito prato mas que é intragável. Gato por lebre.

Voltando aos bons frutos eleitorais da Emigração: lembremo-nos outra vez do exemplo das últimas eleições presidenciais na Roménia, no final de 2014, em que foram os emigrantes romenos que decidiram a escolha do actual Presidente Klaus Joannis. Apesar dos entraves administrativos que o governo romeno havia colocado à participação dos seus emigrantes no acto eleitoral, estes mobilizaram-se através das redes sociais, não desarmaram perante as dificuldades e passaram longas horas ao frio e à chuva para poderem votar no candidato mais progressista. E conseguiram! Joannis foi eleito na 2a volta, um exemplo de civismo e amor à terra, que gerou ânimo interno e ondas de solidariedade entre os romenos de dentro e de fora.

Em toda a Europa estamos a viver momentos de activismo e consciência políticos pouco comuns, ancorados na INCLUSÃO e no trabalho em rede. Os cidadãos suplantam as estruturas partidárias. Cada um de nós, português emigrante e/ou migrante, tem de estar ciente da importância do recenseamento, não apenas como “diploma” para podermos efectivar as nossas escolhas políticas, mas também como retrato estatístico da nossa realidade, e deve passar a palavra aos outros e assim contribuir para uma VAGA de massa crítica que, de fora, exercerá pressão em várias causas fundamentais para a sociedade portuguesa e para a sociedade europeia, desde logo com a melhoria da inclusão do cidadão emigrante na sociedade portuguesa.

Em 2015 e 2016 teremos eleições legislativas e presidenciais em Portugal. Enquanto Candidatura que somos devemos desaferrolhar este potencial de massa crítica com uma dedicação honesta e sincera, e não com pequenas acções de cirúrgia plástica, baseadas na análise custo-benefício e na melhor tradição do clássico sistema dos partidos políticos portugueses.

Há que aproveitar este momentum, agora, carpe diem, com as sinergias e os recursos de todos. Temos de ousar aproveitar este potencial, o nosso potencial como cidadãos.

(1) vide blogue luiscostacorreia, ex-director STAPE

Texto de: Lídia Martins e Ana Beleza