Como mudar o mundo através de livros? Para responder a esta pergunta, convido-vos a regressar ao século XX que nos deixou histórias de grande coragem e sacrifício pessoal, de devoção a um ideal de luta e também resistência contra a tirania. Muitas das histórias contam-nos sobre escritores memoráveis e heroicos — alguns exilados, alguns martirizados —, mas por vezes esquecemo-nos da figura do editor, a pessoa que avalia e edita os manuscritos, numa busca incessante por um catálogo memorável (e porque não lucrativo?).
Giangiacomo Feltrinelli (1926-1972) era um reflexo do tempo em que vivia. Filho de um dos mais prósperos magnatas do seu tempo, foi protegido pela fortuna da sua família até ao momento em que decide juntar-se ao Partido Comunista. O velho fascismo fora forçado a morrer na Itália e ao ler pela primeira vez teorias marxistas e socialistas, o jovem decidiu que encontrara uma nova orientação na sua vida. Não renunciara às suas raízes nem ao negócio do pai e avô, mas soube como dar-lhe uso e pôr em prática os ideais que tanto o tinham cativado. O partido italiano comunista mal cabia em contente da sorte que lhe calhara em 1945. Tinham um militante que era o único herdeiro de uma vasta fortuna de família e que possibilitaria nos anos seguintes o financiamento de várias atividades do partido.
Nos anos 50, Giangiacomo decide reunir uma equipa com pouca experiência editorial, mas elevado sentido de organização e gestão, que iria dar os primeiros passos no que se tornou a Biblioteca e Editora Feltrinelli. A sua missão? Impulsionar a cultura na Itália e fazê-la recuperar do atraso cultural em que estava mergulhada. Começou um período de viagens para Giangiacomo em que reuniu edições raras da Europa inteira e, mais importante, conseguiu um acesso raro a arquivos e manuscritos em Moscovo, graças às suas ligações aos comunistas italianos. Deu nova vida ao livro de bolso e iniciou a publicação de muitos clássicos europeus nunca antes traduzidos para italiano. Reuniu à sua volta a nata de intelectuais e escritores, bem como enviava os seus scouts para toda a Europa em busca de manuscritos e novos talentos.
Mas em 1956 dá-se o acontecimento que iria testar as lealdades de muitos marxistas no Ocidente.