A comunicação social noticia hoje que o governo “promete dar, nas próximas semanas, médico de família a 450 mil portugueses”.
Passando ao lado da utilização tão interessante do verbo “dar”, esta notícia não passa de mais uma mentira num momento tão pouco relevante como a última semana de campanha eleitoral, senão vejamos:
– O governo não está a fazer uma contratação extraordinária, este momento é tão simplesmente a contratação dos médicos que acabaram a formação específica em Março-Abril de 2015;
– Houve 237 médicos que terminaram a formação em Medicina Geral e Familiar, mas não são 237 novos médicos de família para o SNS. Houve médicos a emigrar, médicos a sair para o privado e até médicos que não conseguiram colocação onde tentaram concorrer no concurso que agora termina;
– Os novos médicos não vão necessariamente ter listas de 1900 utentes, muito menos instantaneamente (e ainda bem, são demasiados utentes para se fazer um trabalho bem feito);
– Os números de utentes com médico de família estão sobrestimados, todos os utentes que eu estive a ver ao longo do último ano contam como “com médico de família” apesar do médico deles se ter reformado. Ora bem, ou eu conto como médico de família destes 1750 ou conto como médico dos próximos quando assinar contrato em Outubro. Não podemos é fazer contas como se eu me duplicasse. Ora como eu, só no norte, estão cerca de 100 médicos recém-especialistas. É fazer as contas.
Que se lixem as eleições, não era?
– Valia a pena, num bom trabalho jornalístico, lembrar que neste concurso, nos moldes em que foi feito, dos 100 médicos recém-especialistas a trabalhar temporariamente no norte, apenas 74 podem ficar por lá, não foram abertas mais vagas à revelia da vontade da ARS Norte, dos médicos e das necessidades locais. A vontade de desviar médicos à força para outras áreas com mais necessidade foi tal que o governo preferiu “arriscar” que emigrassem ou fossem para o privado;
– Juntando os dois últimos dados, percebe-se ainda mais uma coisa: ao mesmo tempo que se contratam mais médicos, o norte vai mesmo perder cobertura. É que nas contagens atuais, os recém-especialistas que ficaram a “tapar buracos” contam como médicos de família. Se só 74 dos 100 ficam no norte… é, mais uma vez, fazer as contas.