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s duro de presenciar do outro lado do Atlântico nem é a questão da queda do governo do PT, mas ver o que a “Comissão Golpe” conseguiu fazer com os brasileiros: colocou mães contra filhos, amigos contra amigos, um país inteiro na sarjeta. Não há perdão para o que essas pessoas fizeram.
Domingo será a deliberação da Câmara dos Deputados do Brasil sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Está a chegar a hora de vermos o resultado da novela de maior impacto visto desde a década de 90 do século passado chamada “Como pegar um país que até estava entrando nos eixos e bagunçá-lo por completo”.
Para assistir às cenas dos últimos capítulos ergueram um muro de latão na Esplanada dos Ministérios com a justificativa de maior segurança para a população que acompanhará a transmissão do acontecimento por ecrãs do lado de fora do Congresso Nacional. Pergunto-me se a elite política brasileira conhece a sua gente tratando-os como animais que necessitam ser divididos para não se agredirem?! Bem, de fato, houve uma segregação social muito impactante desde as últimas eleições, culminando com o xeque-mate de toda a oposição que não se contentou com a escolha democrática e precisou forjar arenas para destruir o ideal da democracia com um impeachment que não tem razão de ser senão para criar um “bolão” entre os deputados, com a generosa aposta de R$100,00 cada, num profundo desrespeito para com os seus concidadãos. O muro de latão, tão ridículo quanto a própria ideia de sua existência, por um acaso, é até uma alegoria bem conseguida da sociedade brasileira: de um lado empresários, políticos com mais zeros em contas bancárias que alguma vez se pôde contar; uma elite que não se acostuma com o fato do filho da empregada poder estudar na mesma escola que os seus filhos; famílias de milionários que pela primeira vez no Brasil foram presos e responsabilizados pelos seus atos criminosos. E do outro lado, uma classe de intelectuais, artistas, estudantes, trabalhadores que puderam aperfeiçoar os seus talentos com os incentivos econômicos desse governo. E os pobres. Ah sim, os pobres que no meio disso tudo serão os primeiros a sofrerem nessa sociedade democrática e inclusiva. Pois que o maior beneficiário com a queda do atual governo, Michel Temer, promete fazer valorosos cortes nos programas sociais como Minha Casa, Minha Vida, o Fies, entre outros. E claro, nos programas de intercâmbio educacional que possibilitaram milhares de brasileiros estudarem no exterior. Isso tudo em nome de uma “macro política” que poderá ser entendida como uma política de classes.
À parte dos planos maquiavélicos do senhor Temer, que até já antecipou a divulgação do discurso para a substituição de Dilma, temos uma histeria completa de homens e mulheres que parecem imaginarem-se no governo já na próxima segunda-feira, como é o caso da principal advogada pró-impeachment, Janaína Paschoal, que recentemente ficou famosa pela sua brilhante intervenção da cobra. Pois, para uma advogada com tamanha responsabilidade esperava-se mais do que gritos exaltados num discurso evangélico. Até o pai da senhora foi mencionado na sua intervenção, que teria mais credibilidade se fosse uma intervenção com um discurso bem construído. Não sei você caro leitor e cara leitora, mas a mim preocupa-me uma co-autora, em trâmites legais, da derrubada de um governo, fazendo uma intervenção digna de uma atriz de um filme de comédia entediante, onde a personagem principal se sente a própria Britney Spears com jogadas fantásticas do cabelo à la pop star em decadência. Se lhe pudesse dar um conselho de amiga, diria para a ‘aspirante’ de advocacia e showbiz ter aulas de retórica com o Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, este sim traz coerência ao discurso. Por sua vez temos Aécio Neves que poderá, ao invés de construir, com o dinheiro público, uma pista de pouso na propriedade de seus familiares, sentir-se confortável para construir antes um aeroporto inteiro com o dinheiro do contribuinte, pois claro, o seu papel na queda do governo Dilma não é tão modesto para menos do que isso. Contudo o ‘playboy’, como era chamado em Minas, sairá tão ileso (e sorridente, como sempre) quanto o esquema de corrupção que esteve envolvido com a empresa Furnas no ano passado. Como Aécio, imagino o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a mexer nervosamente os seus “oculuzinhos” a imaginar-se podendo deleitar-se da câmara secreta da Assembleia de Deus, mas desta vez “doando” para a instituição religiosa mais de meio milhão sem pudor algum; continuar com a sua conta na Suíça e melhor, sem precisar provocar um impeachment para desviar as atenções, em retaliação ao favor negado pelo PT na abertura do processo de cassação do seu próprio mandato. Ainda sobre o senhor, resta saber por que foi mencionado como “O Caranguejo” na lista da Odebrecht (?) – será alguma conotação religiosa ou um nome fácil para ser utilizado em código morse? E o juiz Sérgio Moro, ai esse será visto como herói, só espero que ele não consiga esconder por muito tempo qual será a sua paga. Por sua vez, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, coisa mais linda de se ver será que este poderá dar habeas corpus à vontade para banqueiros acusados de desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro, fugirem do país – O banco Opportunity agradece – e de fato será uma grande oportunidade de continuar caindo na boa graça das tradicionais famílias nordestinas e, no futuro, de outras tradicionais famílias brasileiras. Contudo, nesse ninho de gente de muito boa índole e telhados de vidro maiores que o estado do Amazonas, contamos com a felicidade do deputado Jair Bolsonaro que poderá até escrever um manual com o título: “Ter filho gay é falta de porrada” e fazer palestras pelo país afora para difundir o pensamento machista e primitivo da escolha de quais são as mulheres que merecem ser estupradas, sim porque para esse… esse… essa pessoa, a violação feminina requer merecimento: o “não” proferido pela boca de uma mulher será sempre um “sim” e o homem decide se ela merece ou não uma violação. Bem, isso tudo enquanto o seu filho Flávio Bolsonaro sai dando tiros pela Barra Tijuca com um porte de armas ilegal. Fantástica e estimável a educação de tal família!
E como esses poderíamos lamentar a felicidade de outros e outras (mais ‘outros’ do que ‘outras’ porque a política brasileira é constituída de mais homens do que mulheres), caso o impeachment se conclua. E a Globo, esta poderá escapar do plano de regulamentação da mídia que seria implementado pelo governo Dilma, ainda com benefícios pelo belíssimo trabalho que concluiu no golpe de estado – enquanto emissora de televisão saiu-se como uma ótima brainwashing.
O mais duro de presenciar do outro lado do Atlântico nem é a questão da queda do governo do PT, mas ver o que a “Comissão Golpe” conseguiu fazer com os brasileiros: colocou mães contra filhos, amigos contra amigos, um país inteiro na sarjeta. Não há perdão para o que essas pessoas fizeram. Aos que acreditam em carma fica a esperança que a vida lhes devolva em dobro o caos social que implementaram, e aos que acreditam em justiça, como eu, esperam que na próxima segunda-feira, Dilma Rousseff ainda seja a presidente do Brasil, que os telhados de vidro se quebrem por completo e que o muro de latão demonstre que a sua existência é desnecessária e um absurdo autêntico, pois os brasileiros são maiores do que isso.
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(Nota: Em Lisboa um grupo de brasileiros, incluindo brasileiros que vieram estudar em Portugal com o apoio do governo brasileiro, fundaram o Coletivo Andorinha: Frente Democrática Brasileira de Lisboa. Podem conhecer mais sobre a iniciativa através da sua página de Facebook.)