A lente injusta e desumana de João Pedro Marques

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                              Juventude em Marcha, Pedro Costa, 2006 [Filme]

 João Pedro Marques assinou um artigo de opinião no qual é sintomática a primária desonestidade intelectual do autor a partir do momento em que este decide tornar operativa uma arma de estéril função retórica cujo alcance é nefasto. Refiro-me à discursividade digna de propaganda que subjaz à indignação pelo “politicamente correcto”. Ouve-se muita gente, dos mais variados espaços políticos mas não só, a transformar esta indignação numa forma de auto-elogio ou numa demonstração vaga de uma suposta frontalidade: uma espécie de “João sem medo”, em mau. Sempre que assisto ao uso depreciativo desta expressão só consigo ouvir barulho e portanto nada perceber. Considero-a uma função fática dos opinadores desesperados, dos bárbaros. É para mim o canto do cisne de quem mostra não querer conversar – renuir versões – e assim somente calar quem deles diverge, usando para isto uma expressão que não produz sentido analítico e que através do modo autoritário encerra consequentes discussões outras. Revela não só a fragilidade das estruturas argumentativa e ideológica, mas sobretudo uma mundividência egocêntrica que subsiste através da conservação de discursos tão acríticos quanto hegemónicos. Há um silenciamento evidente que é imposto e perpetuado através do repúdio daquilo que está por trás de tão oca expressão: muito antes de políticas, razões de ordem ética.

Dito isto, decidi ridicularizar algumas passagens da mal conseguida opinião.

O texto é mal encetado e isso é no entanto precioso por forma a podermos observar através da lente de JPM. Começamos logo com a fantasia em torno da definição de identidade por contraste. Não lhe passa pela cabeça que uma pessoa da “maioria” se possa sentir desconfortável com as descrições que lê no museu. Se calhar, JPM acha que eu teria de ser uma árvore para poder defender a floresta. De seguida, JPM considera que “preto, negro, esquimó, mouro, anão ou selvagem” são expressões “tidas”, note-se!, por desagradáveis ou discriminatórias. Isto é, algumas pessoas – nas quais JPM não se inclui necessariamente – acham que estes adjectivos não devem ser usados para descrever outras pessoas. Pois eu faço-lhe a delicadeza, JPM: estas palavras criam de facto desagrado e discriminação, pois são outra coisa maior: violentas, todas elas.

O segundo parágro abre com uma referência a um daqueles conceitos que consegue tudo e nada dizer: Ocidente. Pergunto: de Quem? De Onde? E, já agora, para Onde? Juro que não consigo perceber como é que alguém hipoteticamente informado consegue ainda fazer uso destes cadáveres conceptuais – fico cheio de vergonha alheia. É curioso também notar que JPM considera insólitas as atitudes geradas pela vontade de não ofender ninguém(?!). Já em jeito de processo autofágico, através de um exemplo que não reforça mas destrói o argumento, JPM recupera Winston Smith e respectivo trabalho no Ministério da Verdade, em 1984. JPM está justamente a fazer aquilo que critica através do exemplo que cita: a manutenção de uma verdade totalitária que oprime e subjuga através da recusa de fenómenos de inclusividade, inclusão que, de forma abjecta, chama politicamente correcto – a tal atitude gerada pela vontade de não ofender ninguém.

Outro episódio autofágico decorre em seguida, quando JPM escreve: “importa sublinhar – pois é muitas vezes esquecido – que, tal como as minorias étnicas, os europeus também são gente, também têm uma cultura a preservar, e também têm o direito de se sentir incomodados com a forma como a direcção de um museu lida com as obras do passado”. Como creio que JPM não se está a dirigir aos europeus de Quinhentos, então concordo com o escreve, pois não faltam hoje europeus que podem ser descritos com todas aquelas palavras tidas por desagradáveis e discriminatórias. Ou JPM acha que esses europeus não são de raça europeia?

No penúltimo parágrafo voltamos a encontrar aquela ideia acima referida sobre a definição da identidade por contraste, agora reforçada pelos europeus do Século XXI. Outra vez, JPM considera que o museu deve somente explicações aos “preto, negro, esquimó, mouro, anão ou selvagem” visto que eles – percepcionados através de uma mundividência essencialista e racista – é que se podem “ofender” com o discurso adoptado pelo museu. Já a segunda metade deste parágrafo é regada por uma doçura colonial em jeito nostálgico. Note-se a modalização melíflua: “quem foi humilhado foi o menino escravo que está representado naquele quadro. Ou naquele outro”. Mais parece uma canção de embalar de alguém que pousa a mão sobre o ombro de outrém enquanto de dedo em riste, apontando para os vários quadros, diz: “para que é que te estás a queixar se não és tu?!”. E termina com o recurso ao decreto histórico: a escravatura – essa maçada – acabou, logo, já não há problemas raciais, já não há formas de racismo latentes, já não há conservação de lógicas e discursos de poder alimentados ao longo de Séculos pela cultura e acção europeias, etc. É inacreditável como este artigo de opinião consegue colocar tudo isto em evidência e deste modo auto-destruir-se uma vez mais.

Na última parte do artigo, JPM decide retomar o labor de Winston Smith e lutar furiosamente contra os apologistas do politicamente correcto e contra aquilo que considera ser o adultério da verdade histórica (lembremo-nos do Ministério para o qual Smith trabalhava). Se existe uma verdade histórica, então eu quero conhecer a da “Jovem Negra” que está no Rijksmuseum, mas contada por ela.

Só mais uma coisa: politicamente correcta é a publicação desta sua opinião, João Pedro Marques. Eu pediria desculpa a mim próprio.

 

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O RBI como projecto alter-globalista

O debate sobre o rendimento básico incondicional (RBI) tem tido nos últimos dias bastante destaque em Portugal. Fruto de uma conferência organizada na Assembleia da República pelo Grupo de Estudos Políticos, Movimento RBI Portugal, o Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho e o PAN, o tema foi abordado em vários órgãos de comunicação social. O RBI, pelo facto de poder assumir vários formatos  e pela miríade de opções que permite é não só um tema complexo mas, quando analisado de forma mais detalhada, uma sucessão de vários temas diversos e complementares. Justifica-se assim o peculiar facto de um rendimento incondicional dispor tanto de acérrimos apoiantes como de opositores  em ambos os lados do espectro político.

Apesar da sua complexidade, a possibilidade de instituição de um RBI é um debate necessário e também urgente, num momento em que as questões relacionadas com a falta de emprego ou da abundância de empregos precários, em parte associados com o aumento da automação, continuam (e continuarão) na ordem do dia. Neste capítulo, as perspectivas são claras e assustadoras: nos EUA, 47% dos empregos que actualmente existem, com especial destaque para o sector dos serviços, trabalho administrativo e vendas, são susceptíveis de ser automatizados em 2050. Com o expectável aumento populacional a nível global e a menor necessidade de mão-de-obra, serão cada vez em menor número os postos de trabalho disponíveis o que agravará ainda mais a competição por esses postos, favorecendo assim a precarização do trabalho e mantendo as taxas de desemprego em valores abusivamente elevados. A instituição de um RBI pode pois assumir-se como fundamental na procura da coesão da sociedade.

As dúvidas existentes à esquerda sobre o impacto que um rendimento incondicional poderia ter nas restantes funções sociais do Estado são perfeitamente válidas. Um RBI que assente exclusivamente num cheque dado a todos os cidadãos pode efectivamente servir de justificação para o desinvestimento público em sectores como a saúde e a educação, ao abrigo de uma “liberdade de escolha” que mais não é do que um apoio ao sector privado em detrimento do sector público. São também válidas as reservas em relação ao aumento do consumo – e sobretudo sobre o tipo de consumo – associado a uma maior disponibilidade de rendimentos e os impactos ambientais associados.

Nenhum esquerdista pode, no entanto, recusar a ideia de que a existência de um RBI favoreceria a emancipação dos cidadãos, acabando com a obrigatoriedade de associar o trabalho a um rendimento. Outro aspecto importante nesta discussão é o facto de o combate às desigualdades feito exclusivamente a jusante ter falhado. Torna-se portante necessário considerar uma pré-distribuição de modo a corrigir essas desigualdades desde a raiz, capacitando e dando mais e mais justas oportunidades a todos os cidadãos, garantindo ao mesmo tempo que o Estado mantém a qualidade dos seus serviços e não promove a depleção ecológica. Não é certamente uma tarefa fácil, mas também não é impossível.

As questões relacionadas com o financiamento de um rendimento básico incondicional são, sem dúvida, as mais complexas de responder. Esse debate não deve, no entanto, impedir o debate sobre que tipo(s) de RBI poderia(m) ser instituídos. Desde logo, há diferentes escalas de aplicação do rendimento – local, nacional e, no caso europeu, ao nível da União. Um RBI poderia assumir apenas uma dessas escalas ou poderia estar presente nas três, com diferentes objectivos, de modo a que se complementassem. O tipo de “rendimento” é também variável, podendo tratar-se simplesmente de uma transferência financeira, mas podendo também assumir um carácter de um cheque a ser utilizado com um fim específico – e.g. espectáculo artístico, na compra de produtos locais – podendo assim assumir o papel de uma moeda complementar. Assim, sendo certo que a instituição de um RBI pode representar uma ameaça ao Estado social, pode também assumir-se como um projecto socialista ou como um projecto de alter-globalização e de coesão territorial.

Imaginemos que em Portugal se instituíam dois tipos de RBI complementares, um a nível autárquico e outro a nível nacional. O primeiro seria pago directamente pela autarquia enquanto o segundo seria pago pela administração central. Coloca-se desde logo uma questão: o que impede todos os habitantes de uma determinada cidade de utilizar todo este rendimento numa outra cidade, potencialmente mais próspera, prejudicando assim a autarquia que lhe financia o rendimento? Do mesmo modo, caso o rendimento dado pela administração central fosse uma simples transferência financeira, nada impediria que a sua totalidade fosse gasta em produtos importados de locais com padrões menos exigentes no respeito pelas condições laborais e/ou ambientais.

Mais do que uma simples transferência de capital, estes rendimentos poderiam assumir a forma de cheques ou vales a ser utilizados com fins específicos. O rendimento dado pela autarquia poderia assumir a função de moeda complementar, podendo apenas ser utilizado em pequenas e médias empresas presentes na cidade, estimulando assim o comércio local e promovendo a fixação da população em todo o território. Produtos alimentares, devidamente identificados como sendo de origem local, poderiam também ser adquiridos com este rendimento, promovendo assim o circuito curto e facilitando a troca directa entre o produtor e o consumidor, nomeadamente reavivando os mercados (no sentido do espaço físico) locais.

Quanto ao rendimento dado pela administração central, consistira em vales a ser utilizados em três grandes áreas: 1) sector cultural; 2) pagamento de serviços essenciais; 3) compra de produtos de primeira necessidade. O sector cultural é, em grande parte dos casos, dos principais afectados nos períodos de crise. Em primeiro lugar porque o Estado desinveste nesse sector e em segundo porque os cidadãos, vendo os seus rendimentos reduzidos, têm menos disponibilidade financeira e muitas das vezes optam por cortar nos seus gastos culturais. Um passe cultura dado a todos serviria para garantir uma dinâmica saudável num sector que é essencial para o desenvolvimento do país. O facto de um rendimento dado a todos os cidadãos do país poder ser utilizado no pagamento de serviços essenciais (e.g. electricidade e água) teria dois efeitos. O facto de se tratarem de serviços essenciais ajudaria os cidadãos com menos posses e, ao mesmo tempo, fomentaria uma redução do consumo, uma vez que caso o rendimento não fosse utilizado para o pagamento desses serviços, estaria disponível para outros fins. Adicionalmente, este rendimento dado a nível nacional serviria para adquirir produtos de primeira necessidade rotulados como sendo ecologicamente sustentáveis e/ou originários do comércio justo. Deste modo, estar-se-ia também a democratiza o acesso a este tipo de produtos e estimulando a sua produção.

A instituição de um rendimento básico incondicional não é portanto uma receita única a ser aplicada em qualquer parte do mundo e em qualquer escala. Trata-se um conceito multiforme e que deve assim ser debatido e, se for caso disso, testado. É preciso, desde a primeira hora, ter em conta as questões que se levantam sobre um tal rendimento e o impacto que poderá ter na forma como o Estado presta os seus serviços. Como demonstrado, um rendimento básico pode até servir para aumentar a coesão territorial de um país e para combater as desigualdades que se verificam de forma cada vez mais acentuada em grande parte das sociedades. Finalmente, com a expectável redução do trabalho disponível, torna-se premente separar o trabalho do rendimento associado e aí, a discussão sobre um RBI é não apenas importante, como fundamental.

A chaga do desemprego

Em 1937, George Orwell publica The road to Wigen Pier, onde relata o que viu na sua visita a um Norte da Inglaterra arrasado pela miséria e pelo desemprego. Referindo-se a um dos desempregados que contactou, Orwell escreve o seguinte:

“Alf Smith is merely one of the quarter million [de desempregados], a statistical unit. But no human being finds it easy to regard himself as a statistical unit. (…) Alf Smith is bound to feel himself dishonoured and a failure. Hence that frightful feeling of impotence and despair which is almost the worst evil of unemployment.”

Oitenta anos depois, a análise feita por Orwell continua a fazer todo o sentido. Após um período de emprego quase pleno, sobretudo numa Europa a precisar de se reconstruir após a segunda Grande Guerra, a globalização desregulada e a emergência da automação e de novas tecnologias como parte de uma nova revolução industrial, fizeram com que o número de desempregados aumentasse. Em lugar de se tentar distribuir de forma mais equitativa o emprego existente, a resposta tem sido, no mínimo, antagónica: mais horas de trabalho por semana e mais anos de serviço. Caso não sejam tomadas medidas estruturais, o futuro não parece ser muito reconfortante: o número de cidadãos que se sentem “desonrados e um falhanço” continuará a aumentar, o que terá efeitos imprevisíveis numa sociedade cada vez menos coesa.

A um novo problema não se pode responder com soluções antigas. A criação de emprego não pode tampouco assentar exclusivamente na necessidade de crescimento económico e na produção e consumo, uma vez que tal modelo depende da exploração dos recursos do planeta que, sendo limitados, são finitos. Como nota Orwell, o sentimento de impotência e desespero é provavelmente o pior mal do desemprego. E alguém desesperado é muito mais susceptível de aceitar condições de trabalho extremamente adversas e injustas. Casos como o da Work4U tornar-se-ão certamente cada vez mais comuns. É portanto essencial reformar o conceito de trabalho e tal passa também por separá-lo da necessidade de ter um salário associado.

Uma alteração deste tipo marcaria a entrada numa fase de pós-capitalismo e implica uma séria de transformações noutros domínios. Desde logo, é necessário garantir que aqueles que desempenham tarefas não remuneradas e que actualmente não têm qualquer tipo de rendimento associado, têm condições de poder viver condignamente. É também essencial que aqueles que têm mais rendimentos sejam mais taxados, de modo a que o Estado possa garantir os serviços que lhe estão associados. Mais do que uma fonte de rendimento, um emprego tem que ser uma fonte de realização pessoal.

A economia de partilha – que tem nas tecnologias uma enorme fonte de evolução – bem como o sector cooperativo desempenharão certamente um papel importante nessa transição. Há, no entanto, uma série de riscos associados à economia de partilha que, nos casos mais conhecidos, do Uber ao AirBnB, tem promovido concorrência desleal entre trabalhadores, bem como a menor regulação nos seus sectores de actividade. Apesar disso, projectos de economia de partilha “a sério” têm feito o seu caminho, desde grupos de compra colectivos até sítios de troca de objectos usados.

O objectivo a que devemos apontar enquanto sociedade deve portanto ser o do pleno emprego e, não menos importante, do emprego digno. Ora, tal só será realidade quando os cidadãos tiverem as redes de segurança suficientes de modo a que não se vejam na obrigação de aceitar um emprego que os explore de forma injusta. A existência de um rendimento básico incondicional poderia ser a melhor forma de garantir que tal fosse realidade. Há muitas questões ligadas a tal rendimento que devem ser respondidas – desde logo, qual seria o impacto nas restantes funções sociais do Estado – mas não faz sentido pensar num futuro onde a automação será cada vez mais comum e onde o conceito de trabalho seja revisto, sem pensar neste tipo de rendimento. Nenhuma sociedade aguenta taxas de desemprego elevadas (em alguns países, cerca de 50% dos jovens) durante muito tempo. Para evitar uma mudança repentina e incontrolável é necessário começar desde já a pensar em que futuro queremos e dar passos firmes nessa direcção.

A autofagia da esquerda francesa

A eleição presidencial em França terá lugar apenas daqui a um ano mas há já bastante tempo que, nos bastidores, se vão posicionando potenciais candidatos. Esta eleição é olhada com mais atenção do que o habitual, consequência dos bons resultados que a extrema-direita francesa, representada pela Frente Nacional, tem conseguido em sucessivas eleições, das europeias às regionais. Se é claro que a candidata deste campo ideológico será Marine Le Pen, à direita e à esquerda há menos certezas. À direita, o ex-presidente Nicolas Sarkozy enfrenta dificuldades em afirmar-se como o melhor candidato d’Os Republicanos. À esquerda, o actual presidente François Hollande seria o candidato natural do PSF a uma re-eleição, não sendo, no entanto, de descartar a possibilidade de um candidato saído de uma eleição primária de toda (ou quase, como veremos) a esquerda francesa.

Lançado em 10 de Janeiro de 2016 por um grupo de políticos e intelectuais, o apelo a uma eleição primária para a escolha de um candidato único de toda a esquerda e ecologistas foi fazendo o seu caminho. O próprio presidente Hollande, embora ainda não se tenha pronuncado sobre o tema, poderia, de acordo com alguns dos seus colaboradores, olhar para o apelo com bons olhos. A opinião dos eleitores de esquerda parece ser clara. De acordo com uma sondagem, 81% dos simpatizantes de esquerda afirmam ser desejável uma eleição primária, sendo que 74% afirma mesmo que tal método de escolha é fundamental para assegurar a passagem à segunda volta da eleição presidencial. Nessa mesma sondagem, 74% dos inquiridos mostra-se favorável à presença do actual presidente como candidato na eleição primária.

Se estes resultados são bastante elucidativos acerca da vontade dos potenciais votantes, nem todos parecem concordar com este método. Apenas um dia após a publicação da referida sondagem, Jean-Luc Mélenchon, co-presidente do Partido de Esquerda e um opositor das eleições primárias, anunciou a sua candidatura presidencial, mesmo sabendo que o Partido Comunista Francês, seu parceiro na Frente de Esquerda, está empenhado na procura de um candidato único. Mélenchon é um repetente, tendo nas eleições presidenciais de 2012 conseguido uns honrosos 11,1%, pelo que o anúncio da sua candidatura, com tanta antecedência, parece ter como objectivo marcar posição e boicotar o processo de primárias ainda antes do seu início.

A realidade actual é, no entanto, bem diferente da de há quatro anos. O modo como Hollande lidou com uma crise financeira à escala europeia e nacional, o envolvimento em conflitos militares no estrangeiro, a crise dos refugiados e os atrozes ataques terroristas em solo francês, vieram desgastar a esquerda e dar força a uma extrema-direita que, muitas vezes, se tentou combater adoptando o seu discurso e propostas. A estratégia de Hollande parece resumir-se a tentar passar à segunda volta e, então, tendo Marine Le Pen pela frente, apelar a uma frente Republicana que lhe possa dar a vitória. Mas, mais do que 2012, as próximas eleições presidenciais francesas podem parecer-se com as de 2002, quando Jean-Marie Le Pen enfrentou Jacques Chirac na segunda volta. A eleição primária para escolha de um candidato único de esquerda – com ou sem Mélenchon – pode ser o único meio de evitar este cenário e de evitar a autofagia da esquerda francesa.

O emblema na lapela

No seu famoso poema sobre Portugal, Alexandre O’Neill fala do país como a “questão que tem consigo mesmo”, sendo não apenas um seu remorso, mas um remorso de todos nós. Os últimos dias têm desafiado a sua visão. O desenrolar das negociações relativas ao orçamento de Estado para 2016 entre o governo português e a Comissão Europeia – que, ao que tudo indica, se aproximam de um final que convém a ambas as partes – foi seguido pelos partidos de direita com grande agressividade e sem grandes remorsos pela situação em que deixaram o país. Após quatro anos em que o governo PSD/CDS tentou mostrar que não havia alternativas às políticas de golpe até ao osso causadas pela austeridade cega e desmesurada, a simples tentativa de negociação, de igual para igual, parece ser inaceitável para aqueles que, de forma muito complacente, sempre se prestaram a seguir indicações.

O modo como o actual governo negoceia em Bruxelas é, desde logo, uma lufada de ar fresco. A austeridade não funcionou e continuar a insistir num modelo de corte pelo corte é um erro. O OE 2016 apresentado por Portugal à CE já serviu pelo menos para mostrar que há sempre alternativas, bastando vontade e uma ponta de coragem. Serviu também para mostrar que a direita portuguesa parece estar mais preocupada em preservar o seu legado austeritário do que em defender os interesses do país e da UE, sendo as tristes declarações de Manfred Weber no Parlamento Europeu, logo secundadas por Paulo Rangel, disso um exemplo claro. É claro que PSD e CDS podem discordar do modo como o actual governo pretende gerir o país mas as críticas até agora feitas, sempre apoiadas na comunicação social por articulistas bem alinhados com a linha ideológica do anterior governo, mais se assemelham a um boicote fruto do ressabiamento. Neste capítulo, destaque para a indicação dada pelo CDS sobre o seu voto contra o OE 2016, ainda antes de conhecer o documento, no que pode ser considerado, no mínimo, incoerente.

A oposição à política da austeridade não é uma luta apenas portuguesa. Veja-se o governo grego que, apesar de ter sido obrigado de forma vergonhosa a aceitar mais austeridade, continua a ser uma voz contra essa política, bem como o governo italiano que nos últimos dias tem levantado a sua voz contra a falta de flexibilidade por parte da CE. O ministro italiano da economia diz que “não pedem nada de novo, apenas coisas que já existem nas regras europeias”. Este momento deve servir também para desmistificar o bicho-papão “Europa”, usado para significar tudo e nada, sendo crucial reformular a política europeia antes que seja tarde de mais. O europeísmo é uma necessidade e a busca de um modelo de desenvolvimento alternativo deve ser feita explorando as possibilidades dentro dos tratados já existentes e, caso não seja possível, alterando-os.

Durante demasiado tempo tem a “Europa” sido usada como a causa de todos os males, seja por uma certa parte da esquerda que preferiu abdicar da luta pela reformulação do projecto europeu, seja por uma parte da direita que busca na “Europa” um justificativo para as suas opções ideológicas que apenas têm prejudicado Portugal. Os ex-governantes do PSD e CDS bem podem apregoar o seu patriotismo e usar o emblema à lapela mas este será sempre de plástico, que era mais barato.

Ainda sobre educação

As alterações levadas a cabo pelo governo ao sistema de ensino em Portugal vieram, uma vez mais, colocar a educação no topo da agenda mediática. À acusação feita pela direita parlamentar de proceder a estas alterações por mero ímpeto reformista, o ministro Tiago Brandão Rodrigues foi claro e directo, dizendo que “o modelo anterior estava errado e era nocivo”. O modo como se estrutura o sistema educativo num país é essencial para o seu futuro. Exige portanto o maior consenso possível entre os diferentes actores: partidos políticos, professores, pais e alunos. Sendo certo que o consenso absoluto não será possível, importa analisar os estudos científicos feitos relativos às diferentes áreas da educação e importa sobretudo aprender com o que já foi feito.

O fim dos exames nos 4º e 6º ano, o fim da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências (PACC) para professores e mais recentemente o fim dos cursos vocacionais durante o ensino básico, são três das principais medidas já apresentadas. O sistema educativo, pelo impacto que tem no país e pelo tempo necessário até que se possa avaliar o impacto das alterações feitas, exige que haja uma certa continuidade no seu acompanhamento. Importa pois clarificar que, contrariamente ao que alguns dos críticos destas alterações têm dado a entender, não se trata de destruir o que estava feito, mas sim de recuperar o sistema que existia antes das modificações ideológicas instituídas pelo ex-ministro Nuno Crato. E olhando para os resultados dos testes PISA, o sistema educativo português estava no bom caminho antes dessas alterações, tendo, após uma melhoria constante, atingido a média da OCDE em 2012. Quanto aos exames nos 4º e 6º ano, apresentados por PSD e CDS como o garante de um ensino “exigente e não facilitista”, basta comparar o que se faz nos restantes países para perceber que Portugal era quase a única excepção.

A definição de um modelo educativo deve ser científica, devendo para tal recorrer-se aos especialistas mais qualificados, e também política, no sentido em que é necessário antes de qualquer alteração definir qual o objectivo primordial da escola. Mais do que formar profissionais, a escola deve ser capaz de formar cidadãos. Aqueles que tiveram a sorte de ter tido professores que os marcaram e ajudaram ao longo do seu processo de formação pessoal não foi por estes os terem preparado para ter bons resultados académicos, mas sim por os terem preparado para ser melhores homens e mulheres.

Um modelo educativo que se preocupe em formar cidadãos deve opor-se à padronização das escolas, tendo a obrigação de promover a proximidade entre a sociedade, a escola, os alunos e os professores, com programas que se adaptem às especificidades da região. Os professores devem ter a liberdade suficiente para fugir da rigidez dos programas estabelecidos, adaptando-se às idiossincrasias dos alunos. Neste capítulo a classe docente tem uma responsabilidade acrescida, devendo apelar ao sentido crítico dos alunos e, sempre que possível, envolvendo-os de forma activa na tomada de decisões e na própria definição das temáticas a ser estudadas.

 

A este respeito, permitam-me citar António Sérgio que, numa conferência em Janeiro de 1918 dizia o seguinte: “(…) a incompetência da escola não seria tão grande se o objectivo do ensino fosse encher, digamos assim, os estudantes, com o abstracto conhecimento das afirmações da ciência. Mas o objectivo não é, não deve ser esse: é fazer a cultura de cada espírito, emancipar os indivíduos, servir o progresso social; é treinar as inteligências, a fim de as tornar cada vez mais plásticas, universalistas e libertas de limitações, como exige a moderna democracia. (…) O objecto do ensino, em resumo, é fomentar a capacidade de um desenvolvimento contínuo, de uma racionalização intérmina da experiência, preparando os portugueses para uma vida mais humana, mais progressiva, mais fecunda, dentro de uma forma social mais justa.”

 

O ano mais quente de sempre

Graças ao relatório científico publicado pelo NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) no passado dia 20, ficamos a saber que o ano de 2015 bateu todos os outros, tornando-se no ano mais quente desde que há registos. Sendo esta informação o suficiente para nos inquietarmos, o facto de o anterior máximo anual ter sido registado no ano de 2014 e de 15 dos 16 anos mais quentes terem sido registados desde 2001, prova que há uma tendência acelerada e constante de aumento da temperatura média mundial. Se é verdade que uma parte da responsabilidade do aumento da temperatura no ano de 2015 pode ser atribuída ao facto de o fenómeno do El niño ter sido um dos mais intensos das últimas décadas, os cientistas são unânimes ao atribuir às acções antropogénicas a quota principal dessa responsabilidade. Por entre conflitos, crises financeiras e outros problemas que abalam o mundo, a crise climática não tem recebido a atenção necessária. E isso coloca-nos a todos em risco.

Com a revolução industrial e o triunfo dos combustíveis fósseis, o mundo entrou numa nova fase. A qualidade de vida a nível global melhorou e a população foi aumentando, perpetuando assim a necessidade de cada vez mais combustíveis. Quando o petróleo começava a faltar, logo se desenvolviam tecnologias para perfurar em maior profundidade. O papel que a utilização de combustíveis fósseis – da sua extracção à combustão – tem no aquecimento global e nas alterações climáticas é conhecido há vários anos. Apesar disso, as fontes energéticas alternativas e renováveis tardam em se afirmar, fruto de um lobby dos combustíveis fósseis muito poderoso mas sobretudo fruto da necessidade constante de mais energia, associada a um modelo de globalização que não considera os factores ambientais (nem os sociais, diga-se). São pois estas as razões principais da contribuição humana para as alterações climáticas: um modelo capitalista assente na ausência de fronteiras e na redução ao máximo de custos – não internalizando os custos sociais e ambientais no produto final – e um modelo de desenvolvimento assente na obsolescência programada, na necessidade constante de consumo e de crescimento económico.

Foi com o objectivo de obter um acordo global que pudesse limitar as alterações climáticas que quase 200 líderes mundiais se juntaram no final do ano passado na COP21, em Paris. Sendo de louvar o facto de se ter conseguido um acordo – algo que vinha falhando em cimeiras anteriores – e de se apontar para um aumento máximo de 1,5ºC da temperatura média global, torna-se cada vez mais claro que um acordo de boas vontades não chegará para cumprir esse objectivo. Os mais afectados serão, como até aqui, os mais frágeis e mais pobres. Isto aplica-se tanto ao nível dos países – os mais pobres terão menor capacidade de responder aos desafios que lhes serão colocados – como ao nível das diferentes comunidades dentro de um mesmo país – os mais pobres serão empurrados para locais mais susceptíveis de ser afectados. O tempo começa a ser escasso e serão precisos líderes à altura do desafio e capazes de desafiar o status quo. As decisões não serão fáceis mas terão que ser tomadas, de forma democrática e negociada.

É errado pensar que eventuais melhorias ao nível tecnológico poderão vir a remediar o que temos feito de errado, mitigando a nossa responsabilidade. Soluções mais ou menos faraónicas como a geo-engenharia ou os sorvedouros de carbono não devem servir como justificativo para não se tocar no modelo de desenvolvimento actual. Dificilmente o capitalismo desregulado será compatível com um modelo de desenvolvimento sustentável assente na prosperidade partilhada. É esta a ferida que importa tocar e é este o debate que deve assumir a ordem do dia. À era do capitalismo iniciada pela revolução industrial deve suceder uma nova era, pós-capitalista, com visão de longo prazo e não imediatista. A “desglobalização”, na qual as populações consigam manter a qualidade de vida e na qual os que actualmente são mais afectados passem a ter direito a melhores condições, tem que ser uma discussão em cima da mesa. Trata-se, no fundo, de um regresso ao consumo local e ao circuito curto, dando as necessárias garantias sociais aos trabalhadores e garantindo a protecção ambiental e ecológica. Os Estados devem apoiar o sector cooperativo como um actor preponderante nesta nova era onde todos consigam ter padrões elevados de qualidade de vida, consumindo menos e melhor.

Uma discussão deste cariz exige acção política coordenada entre os diferentes sectores da sociedade. Partidos políticos, ONGs, associações de todo o género e os cidadãos em geral devem ser capazes de se juntar tantas vezes quantas for necessário e discutir que tipo de sociedade desejam para o futuro. Uma coisa é certa, se não alterarmos o rumo que levamos, continuaremos a ter novos picos de temperatura a cada novo ano.

A Europa a salvar-se de si mesma

O ano de 2015 ficará marcado pelos enormes desafios que os países europeus, bem como a União Europeia como um todo, enfrentaram e, sobretudo, pelo modo como lhes responderam. Da humilhação ao governo grego pela sua luta contra uma política de austeridade cega ao mesmo tempo que se fechavam os olhos aos abusos autoritários na Hungria à crise dos refugiados, passando pela resposta ao terrorismo e ao conflito na Ucrânia, foram muitos os momentos em que os países europeus foram postos à prova e falharam. Falharam em primeiro lugar a título individual, não tendo conseguido apresentar soluções para inverter um ciclo de empobrecimento – social, económico e por vezes até democrático – e, em segundo, a título colectivo. Os problemas estruturais da UE não só se mantiverem como se agudizaram, ficando patentes as falhas no desenho do projecto europeu e da União Económica e Monetária, a díspar distribuição do poder de decisão entre os diferentes Estados-Membros, o poder de um Eurogrupo sobre o qual não existe qualquer controlo democrático e a falta de capacidade de falar a uma só voz nas questões de política externa.

O projecto europeu encontra-se numa fase decisiva. Após um ano desafiador, 2016 poderá ser o ano de todas as decisões. Ou os países europeus se comprometem a aprofundar o projecto europeu, tornando-o naquilo que deve ser, uma europa dos povos e não dos mercados, ou o espírito nacionalista anti-UE continuará a crescer nos quatro cantos do continente, com consequências imprevisíveis. É com o objectivo de democratizar a Europa que surge o DiEM25  (Movimento Democracia na Europa 2025), cujo rosto mais conhecido é o do anterior ministro grego Yannis Varoufakis e que será apresentado a 9 de Fevereiro, em Berlim. No manifesto provisório recusa-se a existência de apenas “duas falsas escolhas”: o casulo do Estado-nação e a subserviência a “Bruxelas”, defendendo-se uma terceira alternativa. Este texto serve também como um guia prático, indicando medidas que podem ser tomadas em quatro horizontes temporais diferentes começando desde já e culminando em 2025 e que terão como resultado uma Europa mais democrática.

O aparecimento deste movimento pan-europeu pode revelar-se de grande importância para o futuro da UE. Para ser bem-sucedido, precisará em primeiro lugar de nascer e crescer de forma independente. Se ficar exclusivamente associado a um indivíduo e for visto como um projecto unipessoal, as possibilidades de fracasso aumentam de forma exponencial. É necessário que os partidos políticos, as organizações de sociedade civil e todos aqueles cidadãos europeus que acreditam numa Europa mais solidária e mais justa assumam o seu compromisso e que lutem por esse objectivo.  Para os partidos políticos de esquerda, um movimeno pan-europeu nos moldes do DiEM25 é uma oportunidade para recuperaram o seu carácter internacionalista e tentarem de forma mais eficaz e coerente a prossecução dos seus objectivos comuns.

É preciso recuperar o espírito europeu e para tal é fundamental  que a União Europeia seja mais democrática. Não existirão muitas mais hipóteses de corrigir o rumo desastrado que a Europa tem seguido. O tempo é de crise e a mensagem é clara: é preciso que a Europa se salve de si mesma.

O candidato virgem

É mais do que perceptível que o fazer político precisa ser revigorado e não continuado pelos mesmos dinossauros políticos que conduziram Portugal a um estado de declínio.

Foi com alguma distância que acompanhei a última eleição presidencial em Portugal, nos meus áureos anos 2011. E fi-lo porque os portugueses disseram que o presidente era considerado um mero árbitro no jogo político e eu como acredito que ninguém seja mero árbitro de coisa nenhuma, principalmente de um país que precisa responder aos desafios globais, não me interessei, pois senti que os próprios portugueses não se interessavam. Cinco anos mais tarde, vemos a mesma percepção nas ruas, contudo o meu olhar sobre as essas eleições mudou. E isto porque foi me apresentado um candidato que diz que essas eleições marcam um tempo de mudança, um tempo de cariz único, que diz não querer ser um presidente que apenas mantém o status quo das coisas, mas sim que, se for eleito, quer ser um presidente interventivo. Um candidato com vontade de mudança, apesar dos limitados poderes que lhe serão dados pela Constituição, de fato é coisa rara de ver.

António Sampaio da Nóvoa, a quem conhecia pela reputação na Universidade de Lisboa, pois foi o meu reitor, chegou a estas eleições de uma maneira tropical: Teatro da Trindade lotado, filas para entrar e um ecrã à porta para as centenas de pessoas que não puderam aceder ao limitado espaço físico do teatro. Eu estava lá e assisti de camarote – literalmente – ao seu discurso de lançamento de candidatura. Quão satisfatório foi ver um candidato inserir nos suas frases palavras como “cultura”, “igualdade de gênero”, “direitos das pessoas LGBT”, “direitos dos imigrantes”, “educação”, “mudança”, “inovação”. Palavras que muitas vezes são esquecidas pelos políticos ou utilizadas como lhes dá jeito, e foi nesse momento que notei a diferença: ele não era político. Quando no debate entre Sampaio da Nóvoa e Marcelo Rebelo de Sousa, o segundo candidato referiu que Sampaio era novo na política e por isso era “virgem” nos assuntos políticos pensei comigo mesma: ainda bem que ele manteve a mesma postura desde o lançamento da candidatura até agora. Isto porque ser-se político é muito vago e se afasta da construção objetiva da política na medida que a mesma é dever cívico e não uma profissão. Reitor, professor são cargos profissionais; político não. A política é um dever dos cidadãos, uma esfera da construção social, neste sentido até um fazendeiro faz política quando negoceia a que preço venderá o seu arroz e para quem. O ser humano por si só é um ser político, por isso quando Marcelo referiu a virgindade política de Sampaio da Nóvoa, não poderia estar mais do que equivocado por dois motivos: primeiro porque atribuiu uma profissão de político que não existe concretamente e segundo porque negligenciou todas as decisões políticas que Sampaio precisou tomar enquanto reitor e enquanto professor e enquanto cidadão comum. Mas sim, ainda bem, e diriam os religiosos “glória a Zeus”, que temos um candidato sem os mesmos vícios dos políticos da atualidade e do passado, pois esses vícios parecem serem passados de geração para geração. Neste sentido, muito devemos estar satisfeitos por termos um candidato que defende um tempo novo para Portugal e fala em globalização, bem como liberdades em todas as categorias. Que diz querer ser um presidente de causas e, amigos – cá pra nós – sabemos todos que já está na hora de Portugal ter um presidente assim, pois foram 10 anos de abstinência na comunidade local e internacional com um presidente, desculpem-me os portugueses, um presidente somente focado em si próprio. Acostumados com a atitude morna (para não dizer fraca) de Cavaco Silva, é natural que Sampaio da Nóvoa desperte algum susto nessas eleições, pois deixa claro ele que não deixará tudo na mesma. E pergunto aos eleitores, de que valem eleições se não for para mudar, revigorar o sistema democrático, social e político?

Querem apostar nas pessoas que se julgam políticos profissionais nestas eleições ou será melhor apostar na mudança? Como imigrante em Portugal, diria que a aposta é mais do que óbvia por todo o contexto apresentado nos últimos anos. Ao consultar os poderes do presidente da república, constato que o presidente pode sim se bater por causas e o fato de não poder legislar não o enfraquece, pois a aprovação da legislação final é dele. A observação do cargo de presidente da República Portuguesa como um moderador é uma observação simplória do que um presidente pode fazer. Confio que Sampaio da Nóvoa poderá mostrar-nos isso. Adoraria ver, por exemplo, a presidente Dilma discutir com um presidente novo, progressista, que demonstrará na comunidade internacional o crescimento do povo português sublinhado pela escolha do seu presidente. Será o retrato do avanço das mentalidades. É mais do que perceptível que o fazer político precisa ser revigorado e não continuado pelos mesmos dinossauros políticos que conduziram Portugal a um estado de declínio. Nestas eleições estarei, finalmente (!), convosco, colocando o meu voto na urna – um privilégio dado apenas aos brasileiros através do Tratado de Amizade entre Brasil e Portugal. O meu primeiro voto em eleições portuguesas não será secreto e tal como eu, espero com todo apreço que nutro por este país e pelas pessoas deste país, que votem no novo, que votem no “candidato virgem”.

Segurança e liberdade

Quando se assinala 1 ano desde o ataque ao Charlie Hebdo e ainda na ressaca dos atentados de dia 13 de novembro em Paris, as questões de segurança e liberdade estão no topo da agenda europeia. O equilíbrio entre estes dois elementos é e será sempre muito delicado e não são raros os casos em que uma sociedade assustada admite (ou aceita tacitamente) perder alguma liberdade em troca de mais segurança. A disponibilidade dos cidadãos em aceitar medidas restritivas à sua liberdade é tão maior quanto maior e mais próximo tiver sido o evento extremo causador do choque. Esta estratégia, que pode ser equiparada ao jargão militar shock and awe, permite que líderes democráticos façam aprovar leis que, de outro modo, não conseguiriam.

Para além dos dois ataques terroristas em Paris, 2015 ficará também marcado pelo enorme fluxo de refugiados vindos sobretudo de uma Síria dilacerada por anos de guerra civil. À inação dos líderes da Europa central (honrosa exceção feita a Angela Merkel) junta-se o populismo de alguns líderes da Europa de Leste. Num continente onde há pouco mais de 20 anos se derrubavam muros limitadores da liberdade, voltam agora a erguer-se novos muros, igualmente vergonhosos e igualmente limitadores da liberdade. Fala-se em voz alta em “proteger uma Europa cristã” e em evitar uma “invasão”. Pede-se o final do espaço Schengen apontado pelos nacionalistas de diversas origens como o pecado capital europeu e principal responsável pelos ataques terroristas em solo europeu. O facto de a grande maioria dos terroristas conhecidos ter nascido – e, mais importante, ter sido criada – nesses mesmos países parece não ter qualquer importância nesta discussão.

Em França, onde as questões relacionadas com a segurança interna estão na ordem do dia, o debate tem passado pelo modo como se pode repreender aqueles que cometem atos terroristas. Pouco se discutem estratégias de prevenção a curto, médio e longo prazo que embora possam ter um efeito menos positivo junto da opinião pública, serão certamente mais eficazes. Nesta linha, logo no dia 16 de novembro, o presidente da República francesa anuncia no Congresso que irá propor uma revisão constitucional de modo a que os cidadãos bi-nacionais possam perder a nacionalidade francesa em caso de condenação por terrorismo, havendo também quem defenda que essa punição deva ser alargada a cidadãos exclusivamente franceses. Se a aprovação do estado de emergência durante 3 meses se fez quase sem votos contra, esta nova proposta, certamente cara aos setores da direita radical, está a levantar mais questões entre os socialistas. Apesar disso, François Hollande parece decidido em avançar com a proposta.

O medo é um terreno fértil para a extrema-direita.  A ameaça do racismo, da xenofobia e do controlo das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos é real. Viktor Órban na Hungria, Robert Fico na Eslováquia e o novo governo polaco são a prova de como o populismo nacionalista continua bem vivo. Em França é a Frente Nacional de Marine Le Pen que melhor representa essa ideologia. A esquerda, que deveria ser capaz de apresentar alternativas de modo a combater o nacionalismo, é por vezes um aliado útil da extrema-direita, chegando até, com fins eleitoralistas, a ser a responsável por medidas dignas de qualquer partido ultra-nacionalista, como se viu em França em relação à lei da retirada da nacionalidade aos cidadãos bi-nacionais. Neste caso, Hollande parece esquecer-se um princípio básico: os cidadãos preferirão sempre o original à cópia.