Desrespeito pela democracia

Ao contrário do que defenderam os líderes dos partidos de esquerda representados na Assembleia da República na próxima legislatura, não acho que a indigitação de Passos Coelho seja uma “perda de tempo” e menos ainda um “golpe de estado”, como se ouve por aí dizer. O discurso de Cavaco Silva foi de uma falta de espirito democrático, de isenção ideológica, de lógica, que até se torna vergonhoso. Mas a sua opção por indigitar o líder da coligação que tem mais votos parece-me correcta. Desde que este vencedor, ainda que minoritário, esteja disponível e capaz para organizar um governo e um programa para apresentar ao parlamento, o presidente da república deve permitir-lho. Passada que está a bola, cabe agora à AR pronunciar-se perante as escolhas de PPC. É por isto mesmo que a indigitação de Passos Coelho não foi perda de tempo, e bem pelo contrário, permitiu a maturação do nosso sistema político, ao expor os deputados – e de acordo com os votos dos portugueses – a uma nova realidade, de uma maioria de votos e mandatos que não quer entendimentos com o vencedor das eleições. É esta mesma situação que torna o discurso do presidente ainda pior. Para além da ter excluído partidos políticos da nossa democracia de qualquer potencial participação governativa, desrespeitando a república a que preside, para além de ter justificado a indigitação de PPC com a potencial reação de mercados financeiros a uma alternativa (sem sequer nomear os partidos a que se refere), desrespeitando a escolha democrática dos eleitores, o ainda presidente tentou por fim influenciar os deputados num momento histórico e muito relevante da maturação do parlamento e, portanto, de toda a democracia portuguesa. Diz-se frequentemente que Cavaco Silva faz o que faz ou diz o que diz por ser muito institucionalista, mas parece não passar de mais uma desculpa para que os seus múltiplos percalços não obviem a sua obstinação autoritária e ideológica.
Mas a vergonha da intervenção do presidente da república foi apenas o primeiro mau momento desta fase. Seguiu-se hoje a apresentação dos membros do novo governo que Passos Coelho propõe. O que PPC e Paulo Portas nos apresentam é de uma indigência que quase alcança o quão fundo chegou o presidente. Mantendo-se o irrevogável Portas na sua inútil função, segue-se este desastre:

  • aumentam ministérios – indo contra as suas próprias ideias ao formar governo em 2011;
  • recuperam o ministério da cultura – que ainda há pouco era de tal forma um despesismo que lhe bastava uma ridícula secretaria de estado mal amanhada – juntando-o, talvez para poupar secretárias, à igualdade e à cidadania, promovendo para a sua tutela Teresa Morais, cujas opiniões sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou questões de identidade de género são sobejamente conhecidas e pouco igualitárias;
  • misturam duas maravilhosas referências ao caso do BES, por um lado promovendo Fernando Negrão a ministro da justiça – já que falhou a eleição para presidente da AR – depois do seu papel na comissão de inquérito, e por outro escolhendo para ministro da administração interna Calvão da Silva, o senhor que atestou a idoneidade de Ricardo Salgado perante o Banco de Portugal quando Carlos Costa se preparava para lha retirar;
  • promovem a ministro da saúde o secretário de estado Fernando Leal da Costa, figura cuja incompetência e inadequação ao cargo foi constantemente apontada pelos profissionais de saúde e cujo momento mais baixo, que não resisto a lembrar apesar de correr o risco de esquecer tantos outros, foi o seu comentário a uma reportagem da TVI que mostrou más condições e insuficiência do serviço em urgências após o pico da gripe: “o que nós vimos foram pessoas bem instaladas”.

Mais haveria para dizer, mas basta isto para ilustrar o desrespeito da liderança da coligação Portugal à Frente pelos portugueses. A justificação frequentemente repetida na comunicação social para este resultado é a da dificuldade em formar um governo que está morto à partida. Ora, se assim é, quanto mais não seja por uma questão de dignidade, cabe a Pedro Passos Coelho desistir e devolver a responsabilidade ao presidente da república. Apresentar esta formação, especialmente se for reconhecidamente por incapacidade de fazer um governo em condições, é inaceitável. Resta ter esperança de que este seja mesmo o governo mais curto da democracia portuguesa.

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Experimentalismo democrático no Curdistão

As notícias que nos chegam do médio-oriente são, por norma, desoladoras. Ouvimos relatos de ditadores sanguinários, golpes de Estado, atentados e mortes. Há, no entanto, uma experiência democrática ímpar a ter lugar no Curdistão sírio que pouco ou nada é referida nos principais meios de comunicação social europeus. Em que consiste então esta experiência levada a cabo num país devastado pela guerra civil, pela maior minoria sem Estado próprio, atacada tanto por Bachar Al-Assad como pelos islamofascistas do daesh? O que nos ensina e o que podemos aprender com o “Confederalismo Democrático” curdo?

Os curdos, bem como a sua heroica resistência às investidas do daesh, foram notícia no ano passado, tanto pelo papel desempenhado pelos Peshmerga no Iraque, como especialmente pela resistência popular em Kobane, na Síria. Esta pequena cidade (menos de 50 mil habitantes antes do início da guerra civil) tornou-se o símbolo da resistência aos avanços do Daesh no Iraque e na Síria. Por detrás desta vitória esteve e está um modelo de organização política radicalmente diferente e desafiador, não só dos padrões do médio-oriente, como dos de todo o mundo. Como em Espanha durante os anos da guerra civil, estamos perante uma forma de auto-organização que desafia a ordem instituída.

O acordo de Sykes-Picot dividiu, ainda durante a Grande Guerra, partes do então Império Otomano em diversos países com maior ou menor mistura étnica e religiosa. Se, em alguns desses Estados, ditaduras laicas conseguiram forçar a coexistência entre religiões, outros, nomeadamente o Líbano, foram palco de longas guerras confessionais. Em oposição às propostas de criação de Estados de religião única como solução de paz permanente, os curdos na Síria optaram por um modelo oposto, onde procuram “uma sociedade onde as pessoas possam viver em conjunto, sem instrumentalismos, patriarcalismo ou racismo – uma sociedade ética e política com uma democracia de bases e uma estrutura institucional auto-gerida”. Mais, o preâmbulo do “Contrato Social” – espécie de Constituição da região autónoma de Rojava, na Síria – refere que todos os povos, curdos, árabes, assírios ou outros, se regem por aquela Carta, sob os princípios de autonomia democrática.

O Confederalismo Democrático curdo assenta em princípios de participação directa a vários níveis, desde assembleias de bairro até ao Congresso da Sociedade Democrática, onde os representantes das diversas assembleias e comunas têm lugar. A quota reservada às mulheres neste Congresso (40%) é não apenas um exemplo na Síria, mas também em grande parte dos países europeus – note-se que em Portugal esta quota é de apenas 33%. A ecologia desempenha também um papel central no quadro ideológico do Confederalismo Curdo. Se à primeira vista este facto possa ser surpreendente, olhando para o papel que a seca prolongada teve no eclodir da revolução na Síria e no desespero que levou muitos agricultores a juntar-se ao Exército Sírio Livre, percebe-se melhor a sua razão de ser.

Após anos de luta pela instituição de um Estado Curdo socialista, é interessante verificar a alteração ideológica impulsionada por Abdullah Öcalan, o mítico líder do PKK, preso e condenado a prisão perpétua desde 1999. Note-se que esta alteração não começou com as primaveras nos países árabes, sendo sim um processo com cerca de 10 anos – o Congresso da Sociedade Democrática foi fundado em 2005. Mais do que um Estado, o Confederalismo Democrático pode pois ser descrito como um sistema de auto-gestão, com uma estrutura orgânica na vertical, com o Congresso no topo, mas no qual os representantes das assembleias de base, que se vão revezando, têm assento, concedendo-lhe também um verdadeiro carácter horizontal. É também de referir a independência de acção das comunas, que permite que algumas delas decidam abolir a moeda como meio de troca. Trata-se pois de um sistema de organização sem um verdadeiro Estado por detrás.

Não se pense, no entanto, que todos os curdos têm simpatia por este modelo de gestão. Se no Curdistão turco e sírio, onde os partidos irmãos PKK e PYD têm um enorme ascendente, este modelo é bem recebido, no Curdistão iraquiano a preferência recai num modelo de Estado clássico. De referir que esta é uma região verdadeiramente autónoma dentro do Iraque, que funciona de facto como se fosse um Estado autónomo. Não deixa também de ser surpreendente que um boa parte do financiamento do Curdistão iraquiano provenha da venda de petróleo à… Turquia. Estes factos mostram o quão complexa é a situação curda e não existe uma visão unânime sobre como deverá ser um futuro Curdistão independente.

O evoluir deste modelo de gestão deve ser seguido com atenção. Numa zona do globo flagelada por múltiplos conflitos, poderá este modelo de gestão proposto pelos curdos, radicalmente diferente do modelo dos restantes países do médio-oriente, ser o caminho para uma paz duradoura? Poderá o Confederalismo Democrático ser a garantia de convivência pacífica entre religiões e etnias? Apenas o tempo o dirá, mas está neste momento a escrever-se uma página na história do experimentalismo democrático e é do interesse de todos seguir este processo com atenção.

Mais sobre este tópico nas seguintes ligações:

http://www.cvltnation.com/anarchists-vs-isis-the-revolution-in-syria-nobodys-talking-about/

http://www.biehlonbookchin.com/rojavas-communes-and-councils/

http://thenewinquiry.com/features/autonomy-in-kurdistan/

http://talkingpointsmemo.com/theslice/why-is-america-ignoring-kurdish-freedom-movement

A vitória do Syriza e os primeiros sinais da governação

A vitória do Syriza de Alexis Tsipras representa um virar de página na União Europeia. Pela primeira vez desde o início da crise em 2008, um país da União e da zona euro elege um governo anti-austeridade. Num ano com vários processos eleitorais para a escolha de novos governos, a vitória do Syriza terá certamente consequências. Aliás, as reacções de alguns dos actuais líderes governativos com o lugar em risco, como David Cameron e Passos Coelho, não se fizeram esperar. O que podemos então esperar desta vitória e o que nos dizem as primeiras decisões de Tsipras?

Com 149 lugares em 300, o Syriza ficou a 2 deputados da maioria absoluta pelo que, a fim de evitar novas eleições, teve que encontrar um parceiro governamental. Olhando para a distribuição dos lugares, apenas dois partidos se apresentavam como verdadeiras possibilidades, o “To Potami” e o “Anel”. Contrariamente ao que a grande maioria dos analistas previa, Tsipras optou pelo Anel, partido de direita, nacionalista, anti-austeridade, formado por dissidentes da Nova Democracia e com um historial de declarações xenófobas e homofóbicas. O agora ministro da defesa e líder do Anel, Pannos Kammenos, nem há dois meses sugeriu que os judeus na Grécia não pagavam os seus impostos.

Contrariamente a vários na esquerda em Portugal, tenho muita dificuldade em aceitar esta aliança. Concordo que o momento é delicado e que o combate à austeridade é a missão principal deste governo, o que pode fazer com que o consideremos como um governo de salvação nacional. No entanto, há linhas que não me parecem ultrapassáveis, e a xenofobia e homofobia estão entre elas. Mais, sabendo-se a presença que a extrema-direita tem nas forças armadas gregas, colocar alguém como Kammenos à sua frente pode ter efeitos secundários imprevisíveis. Outra das decisões tomada nestes primeiros dias de governação com a qual não posso, de modo algum, concordar, diz respeito ao número de mulheres no governo: apenas 6 em 39 e nenhuma como ministra.

A mensagem parece assim ser clara e ir ao encontro daquilo que Tsipras sempre prometeu: a austeridade é para ser combatida e o pagamento da dívida grega deve ser revisto. Nesse sentido, a escolha de Yanis Varoufakis como ministro das finanças deve ser vista com muito bons olhos. Este economista, que foi um dos subscritores do manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa e que participou no projecto Ulisses, tem vindo desde há muito a propor soluções para a reestruturação do pagamento da dívida grega. Outra decisão positiva em relação à organização do governo é a criação de um ministério da Restruturação da Produção, do Ambiente e da Energia, o que pode, assim espero, significar que Tsipras encara a saída da crise como uma oportunidade para a promoção de um desenvolvimento ecologicamente respeitador. Um dos “secretários de Estado” deste ministério, com responsabilidades na área de ambiente e energia é aliás do “Oikologoi Prasinoi”, partido ecologista grego, que concorreu conjuntamente com o Syriza. As decisões do novo governo também não se fizeram esperar: em dois dias de governação, o salário mínimo foi aumentado e foi aprovada a electricidade grátis para 300 mil cidadãos caídos nas malhas da pobreza. Foi também anunciada a suspensão do processo de privatização das eléctricas e o facilitamento do pagamento de impostos atrasados.

Nós, portugueses, mas também os restantes europeus, devemos seguir com atenção o evoluir da situação na Grécia. Provavelmente, nunca um governo europeu foi tão escrutinado como será o governo Tsipras. Mais do que nunca, é necessária a solidariedade a nível europeu de modo a, conjuntamente, sairmos da crise que atravessamos. Urge a realização de uma conferência europeia entre credores e devedores para a resolução da dívida e o governo grego pode ser preponderante na convocação da mesma. Estou seguro que apesar dos erros cometidos e de todos os erros que este governo certamente cometerá, a vitória do Syriza foi o melhor que poderia ter acontecido para a Grécia e para a União Europeia. O primeiro passo foi dado, compete-nos agora a nós seguir a caminhada.

Correcção dos dados do Recenseamento Eleitoral e a Abstenção Eleitoral dos Círculos da Emigração

Os dados constantes do recenseamento eleitoral devem ser revistos e actualizados porque estão inflacionados, o que é muito grave para a democracia, para a validade dos referendos e para os resultados dos actos eleitorais. (1)

Milhares de emigrantes portugueses continuam a constar dos cadernos eleitorais pelos círculos nacionais, embora não vivam em Portugal há longos anos, nem ali exerçam o seu direito de voto. São fantasmas.

Isto acontece “principalmente devido ao facto de as novas disposições sobre o recenseamento (votadas por unanimidade dos deputados) determinarem a inserção automática dos cidadãos constantes da base de dados de identificação civil (bilhetes de identidade), em que figuram muitos milhares de emigrantes que têm mantido desactualizados os seus bilhetes de identidade, número que se situará seguramente acima de 300 ou 400.000” (2). A esta estimativa deve-se adicionar a recente vaga migratória (3). Resultado: estes milhares de emigrantes portugueses não votam em lado nenhum. Raros são aqueles que têm a possibilidade de apanhar o avião para irem a Portugal votar (4).

Também não se inscrevem, por razões várias, nos postos consulares da sua efectiva área de residência onde se faz o recenseamento para o voto à distância. Entre essas razoes encontra-se o factor encerramento dos postos consulares que não dão lucro (5). Mas – perguntarão com razão – é suposto que estas representações diplomáticas do Estado Português visem o lucro, como as entidades comerciais? Assim, esta situação de um número excessivo de recenseados no território nacional falseia os dados, fere a base da democracia, cerceia a participação nas escolhas políticas que moldam o nosso futuro colectivo. Estão em causa as próximas eleições legislativas e presidenciais. É muito urgente uma acção de alerta na sociedade portuguesa e na AR.

Igualmente uma acção de correcção dos recenseamentos, incluindo a análise “sobre a fiabilidade dos dados existentes no Ministério da Justiça e sobre as metodologias da sua transposição para o recenseamento eleitoral, sem esquecer que os problemas enunciados dizem respeito aos emigrantes, que nos devem merecer a maior consideração, em especial quando querem manter os laços afectivos com o nosso país”.(2)

É importante relembrar que de acordo com dados oficiais (ONU e da OCDE), cerca 1,5 milhões de portugueses estão emigrados em países da OCDE. Desta forma, Portugal é um dos estados-membros com maiores taxas de emigração. Os dados revelam ainda que 12,9% dos licenciados portugueses estão emigrados em outros Estados da OCDE.

LEGENDA:
(1) Partilho aqui neste fórum o conhecimento de um problema que é decisivo para a nossa democracia e para a democracia participativa que desejamos, agradecendo ao Frei Eugénio Boleo, responsável pela pastoral portuguesa em Bruxelas, a pista de investigação que me levou até ao Comandante Luis Costa Correia .

(2) Luis Costa Correia, antigo DG do STAPE – Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral: https://sites.google.com/site/luismdccorreia/expressorecenseamentojul09.

(3) O processo de actualização de residência para alguém que emigra, não é simples e implica várias idas ao IRN ou ao posto consular mais próximo, o que se pode revelar complexo.

(4) Existe uma noção de que a diáspora Portuguesa não se sentirá muito motivada para exercer o seu direito de voto, ou mesmo de ter uma participação activa na vida política quer em Portugal (opinião da editora).

(5) Acresce o facto de o nosso actual primeiro-ministro ter encorajado os desempregados a emigrar. Parece-me no mínimo um contrasenso que o faça; e simultaneamente encerre secções consulares (opinião da editora).

Texto de: Lídia Martins e Ana Beleza

A Democracia como geradora de estabilidade

Começa a tornar-se irritante o constante tremelique que a menção de eleições causa nos mercados financeiros. Então quando saem as primeiras sondagens e as mesmas são inconclusivas ou ditam vitórias de forças progressistas, é um ver se te avias. A ilação a retirar é que o sistema financeiro que actualmente impera, lida muito mal com o sistema político que nos rege – a Democracia. O escrutínio da vontade do povo é visto como um factor de instabilidade pelos agentes económicos Até houve quem defendesse na praça pública a suspensão da Democracia durante o tempo que fosse necessário para sairmos da crise…

A estabilidade em Democracia é sufragada. Não existe, nem pode existir, outra forma de a alcançar. Esta pode chegar de várias maneiras: maiorias absolutas, acordos de incidência parlamentar, coligações, entre outras. Claro que qualquer solução deve sempre reflectir a vontade do povo e do seu voto, expresso em sufrágio universal.

A pressão exercida sobre a Grécia, para que o povo vote em consonância não com os seus interesse, mas em conivência com os poderosos da União Europeia, é inqualificável. Tal episódio suceder no seio de uma organização que deveria primar pela unidade, desenvolvimento e solidariedade entre países, é hediondo. Infelizmente alguns países, embora não apoiem expressamente esta pressão, tornam-se cúmplices silenciosos por não se demarcarem de este tipo de atitude.

Ora o sistema financeiro parece conviver muito mal com esta suposta libertinagem do povo escolher quem os governa. As eleições antecipadas ou impasse nos resultados obtidos são autênticas dores de cabeça que fazem Bolsas colapsar, Juros escalar e Multinacionais abanar. Será mesmo a Democracia uma ameaça tão grande ao actual capitalismo globalizante? Ao que parece, sim. Prova disso é esta estranha dança que observamos ciclicamente, entre cadeiras governativas e corporativas…

Ainda não terminou este círculo legislativo e muitos já saltaram para prateleiras douradas. Arnaut, Moedas ou Gaspar são apenas 3 exemplos de como o poder económico e interesses instituídos recompensam muito bem os seus correligionários. Esta promiscuidade não é de agora nem é exclusivo nacional, mas é cada vez mais notória. Medidas terão de ser engendradas no sentido de não permitir estas situações. Se passa por um período de nojo (para tudo, ironicamente, meter menos asco), por uma proibição absoluta de ocupar cargos em determinado sector ou por qualquer outra via, é o que urge discutir.

A estabilidade construída nestes pressupostos, de favorecimentos e facilitismos, é errada e vai apodrecendo aos poucos as relações sociais de confiança. A estabilidade deve ser orientada no sentido de edificar uma sociedade mais justa e um estado social mais forte. Só assim poderemos alcançar a paz social gritada por muitos, mas concertada por poucos.

A credibilização dos agentes políticos e o renascer da confiança na relação público/privado passa também por aqui. Mas este caminho é menos proveitoso, mais difícil. E o status quo instalado dificilmente cederá a sua posição dominante. É mais fácil contar com os velhos conhecidos do “arco da corrupção” do que enveredar por uma alternativa baseada num modelo mais claro e límpido, que atenue as desigualdades e fomente a confiança. Aí também se pode construir a estabilidade. A estabilidade de todos terem direito a uma fatia maior do bolo.

Um modelo político mais progressista não terá de ser visto como uma ameaça para as grandes empresas, antes como uma oportunidade. Se todos tivermos maior poder de compra, todos consumiremos mais. Desta forma, novos modelos surgirão e democratizarão a economia de mercado. Os micro-empresários ou as cooperativas conquistarão a sua posição no mercado virando-se para nichos particulares. Este novo paradigma é fundamental para que o futuro seja mais justo. Para que doravante, os mercados não vivam com medo da Democracia e, simultaneamente, a acção desta última não fique refém dos poderes económicos instituídos. O “capitalismo-eucalipto”, que seca tudo em seu redor, tem de ser travado. Unir esforços em torno desse objectivo, não pode ser visto como uma questão menor…

Numa sociedade moderna que prime pela liberdade, onde a justiça e a solidariedade, no seu sentido lato, são pilares fundamentais, só a Democracia em pleno e salutar funcionamento (representativa, mas também participativa e deliberativa) pode ser geradora de estabilidade.

Autor: Miguel Dias

A diáspora e a sua representatividade (II)

Contrariamente ao que acontece no território nacional, o recenseamento eleitoral no estrangeiro não é obrigatório. Assim, à alteração do local de residência dentro do território nacional está automaticamente associada a alteração do local de voto. No entanto, caso a alteração do local de residência seja para uma morada no estrangeiro, a perda de capacidade de voto em Portugal é imediata, não existindo a hipótese de se proceder ao recenseamento automático no consulado mais próximo do novo lugar de residência. A alteração da morada pode ser feita directamente no consulado – o que obriga sempre a duas deslocações – ou através do Portal do Cidadão, utilizando o cartão de cidadão e o respectivo leitor, o que não obriga a qualquer deslocação. Caso seja feita via Portal do Cidadão, é dada a possibilidade de, através da simples selecção das diferentes opções, transferir também a morada indicada em outras 11 entidades (e.g. IEFP, EDP), não sendo, no entanto, dada a possibilidade de alterar o local do recenseamento. Deste modo, a única hipótese para se proceder ao recenseamento eleitoral no estrangeiro é presencialmente, no consulado, o que torna este processo mais difícil e moroso que a alteração do local de residência.

As barreiras à participação eleitoral no estrangeiro não terminam com o recenseamento eleitoral. Desde logo, o modo de voto varia dependendo da eleição: nas europeias e presidenciais o voto é presencial, no consulado, enquanto nas legislativas o voto é feito por correspondência. Não é portanto uma surpresa a diferença entre o total de votantes em cada eleição: 5 501 nas presidenciais e 18 191 nas legislativas, ambas em 2011, no círculo Europa. O voto por correspondência parece assim ser aquele que garante uma maior participação eleitoral. No entanto, também este tipo de voto tem vários problemas associados. O primeiro desses problemas é obrigatoriedade de anexar ao voto uma cópia do cartão de eleitor ou, em alternativa, do cartão de cidadão, o que leva ao valor anormalmente elevado de votos nulos – 13,25% nas últimas eleições legislativas, no círculo Europa. Outros problemas associados ao voto por correspondência são a possibilidade de fraude e o atraso ou extravio dos envelopes com o voto.

O que pode então ser feito de modo a que mais portugueses emigrados participem activamente na vida política portuguesa? Eis algumas propostas:

  1. Actualizar os cadernos eleitorais nos diferentes consulados. Deve ser feito um esforço por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em conjunto com os Consulados, Conselheiros das Comunidades Portuguesas e diferentes associações de portuguesas junto das comunidades, de organização de uma série de acções em vários pontos de grande concentração de portugueses, com o fim único de proceder ao recenseamento eleitoral. Estas acções teriam lugar, de preferência, durante os fins-de-semana, em diferentes associações portuguesas;
  2. Facilitar o processo de recenseamento. Não é aceitável que se criem barreiras ao processo de recenseamento, tornando-o mais moroso e complexo que o processo de alteração do local de residência. A possibilidade de recenseamento automático no Consulado mais próximo, aquando da alteração do local de residência, deve ser incluída no Portal do Cidadão. Paralelamente, os serviços consulares devem ser instruídos de modo a convidarem os cidadãos ao recenseamento seja quando procedem à alteração de morada, seja em qualquer outro acto consular. O recenseamento, caso o cidadão assim o deseje, deve também fazer-se automaticamente após a inscrição consular;
  3. Aumentar a representatividade parlamentar da diáspora. Os deputados representantes dos portugueses no estrangeiro – quatro em duzentos e trinta – são manifestamente poucos. O aumento deste número serviria, por um lado, para aumentar a discussão em sede parlamentar dos problemas específicos da diáspora portuguesa e, por outro, atrair mais os portugueses emigrados para a discussão e participação na vida política nacional;
  4. Repensar o voto por correspondência. Apesar de facilitar a participação eleitoral, o voto por correspondência acarreta vários riscos, nomeadamente de fraude. É assim necessário que se definam alternativas que facilitem a participação eleitoral. O voto presencial faz-se, actualmente, apenas nos serviços diplomáticos (Consulados, Embaixadas). Nos últimos anos, o número destes serviços tem vindo a ser reduzido, o que reduz também os locais onde o voto presencial é possível, pelo que a suspensão do voto por correspondência sem um aumento da rede das mesas de voto resultaria num aumento exponencial da taxa de abstenção. Devem então estudar-se alternativas que garantam o maior número de mesas possível, sendo uma dessas hipóteses o voto electrónico.
  5. Estudar o voto electrónico. O voto em urna electrónica traria vantagens inegáveis à participação eleitoral da diáspora. A criação de mesas de voto seria facilitada, permitindo que as mesmas se localizassem junto das comunidades portuguesas. A utilização de urnas electrónicas é já uma realidade em alguns países, nomeadamente o Brasil, estando em fase de teste em vários países europeus. Há, no entanto, aspectos que devem ser tidos em conta quando nos referimos ao voto electrónico. Em primeiro lugar estão questões relacionadas com a possibilidade de fraude. Uma maneira prática – pese embora os custos associados – de combater esta possibilidade seria a impressão do voto em papel que, posteriormente, seria contabilizado de maneira “clássica”, fazendo-se assim a comparação entre os valores. Outro problema são os custos associados ao voto electrónico que, para além do custo material, implica também um custo em termos de recursos humanos, uma vez que junto a cada urna electrónica seria necessário garantir a presença de alguém responsável pela mesma, bem como pela sua manutenção. As mesas de voto no estrangeiro representam uma oportunidade para testar o voto electrónico, devendo esta possibilidade ser estudada de um modo sério e estruturado, num debate que deve incluir o governo, os responsáveis dos serviços consulares, as associações de portugueses no estrangeiro, bem como as universidades portuguesas que poderiam ser os parceiros técnicos na implementação das urnas electrónicas.
  6. Corrigir a lei que não permite candidaturas de cidadãos com dupla nacionalidade.Por incrível que possa parecer, um cidadão com dupla nacionalidade não pode ser candidato pelos círculos eleitorais da emigração, podendo, no entanto, sê-lo nos círculos distritais. Esta situação deve ser corrigida o mais rapidamente possível, uma vez que contribui para o afastamento dos portugueses de 2ª geração da vida política do país.

Deixar Portugal não pode significar um afastamento da vida cívica e política do país. O Estado deve garantir que aqueles que saem se sentem representados e tudo deve fazer para facilitar a participação activa dos cidadãos emigrados. É inaceitável que seja o próprio Estado a criar barreiras aos seus cidadãos no estrangeiro, seja pelo encerramento dos serviços consulares, seja pela criação de dificuldades no acto do recenseamento eleitoral. O nível de um país mede-se também pelo modo como trata a sua diáspora. É preciso que todos os que estão fora do país, independentemente do local e da sua condição, tenham a possibilidade de se exprimir e se sintam representados em Portugal. Compete pois ao Estado garantir que tal seja uma realidade.

A diáspora e a sua representatividade (I)

Não é fácil estimar o número de portugueses emigrados. É lugar-comum dizer-se que há quinze milhões de portugueses – um terço dos quais emigrado – sendo que alguns apontam para números muito superiores, incluindo lusodescendentes até à terceira geração.  Estimativas das Nações Unidas apontavam, em 2013, para cerca de 2 milhões de portugueses emigrados, não incluindo os lusodescendentes, enquanto o Banco Mundial aponta para um valor ligeiramente mais elevado (2,2 milhões). Independentemente da fonte utilizada, os números são elevadíssimos e, segundo o Relatório da Emigração de 2013 da Secretaria de Estado das Comunidades (SEC), fazem de Portugal o 12º país do mundo com o maior número de emigrantes por total de população. Este relatório da SEC apresenta ainda outros dados de interesse, como o facto de 80 a 85% da emigração actual ter como destino outro país europeu (com o Reino Unido à cabeça) e o total das remessas em 2012, que ascendeu a 1,8% do PIB nacional.

Sendo inegável a expressividade dos números da diáspora portuguesa, a sua representatividade política resume-se a quatro deputados na Assembleia da República (AR) – dois eleitos pelos emigrantes nos países europeus e dois pelos emigrantes fora da Europa. Olhando para a emigração europeia, apenas uma ínfima parte destes cidadãos se encontra recenseada para votar nas eleições portuguesas. Segundo o Ministério da Administração Interna, em 2011, o número de portugueses recenseado nos diferentes consulados europeus era de apenas 75 053, o que corresponde a menos de 4% do total dos portugueses emigrados na Europa. Mais, apesar do número reduzido de recenseados, o número de votantes foi de pouco mais de 18 mil, representando menos de 25% do total de eleitores.

Fixando-nos na diáspora portuguesa na Europa e utilizando os números das últimas eleições legislativas, verifica-se uma situação quase antagónica quanto à sua representatividade política. Por um lado, atendendo ao número de cidadãos, o círculo eleitoral da Europa seria facilmente o terceiro maior – após os círculos de Lisboa e Porto, ambos com mais de 1 milhão e 500 mil eleitores, surge Braga com 775 mil – o que representaria mais de 20 deputados na AR. Por outro, quando considerado o número de recenseados nos vários consulados europeus, o círculo eleitoral da Europa, com pouco mais de 75 mil eleitores, é o mais pequeno, atrás de Portalegre, que conta com mais de 106 mil eleitores. Se considerarmos o número de votantes, apenas o círculo eleitoral dos emigrantes fora da Europa regista um valor inferior, sendo que Portalegre, o círculo que registou os valores mais baixos em Portugal, teve mais do triplo dos votantes que o círculo Europa. Assim, se considerarmos apenas o número de portugueses recenseados e votantes nos consulados europeus, parece até haver uma sobre-representação dos mesmos. Existe portanto um desfasamento muito grande entre o número total de cidadãos emigrados e o número dos que podem exercer o seu direito de voto. Importa pois atentar nas causas que causam este desfasamento, de modo a corrigi-las.

As ruas de volta – Pensar o espaço público

O espaço público é uma realidade de contornos fluidos, que medeia as relações entre a sociedade, onde novos interesses estão sempre em formação, e as instituições públicas existentes. Esta articulação ou interação entre uma realidade formada, e que traz consigo uma dimensão de inércia própria, e uma realidade em formação, que, por seu turno, traz consigo uma dimensão dinâmica de mudança, é a realidade própria do espaço público no contexto das democracias pluralistas. Em menos palavras, pode dizer-se que cumpre ao espaço público realizar nestas democracias a intermediação entre sociedade e Estado.

Há um outro uso, comum e perfeitamente legítimo, da expressão “espaço público” que diz respeito ao espaço físico (mas hoje também virtual) que é realmente acessível a toda a população da comunidade. Neste uso da expressão “espaço público” estamos a falar, desde logo, e paradigmaticamente, da rua, mas também dos jardins, das bibliotecas, dos edifícios públicos, das universidades e das escolhas públicas, dos hospitais, etc. De certa maneira também do espaço virtual. De facto, nos dias que correm a rua é menos a rua do que a rede social.

Estes dois usos da expressão “espaço público” estão hoje bastante desligados entre si e de acordo com alguns autores está em causa religá-los. Tenho em mente uma intervenção já com algum tempo de Boaventura de Sousa Santos, a propósito de actos de alguma desordem pública no rescaldo de uma manifestação diante da Assembleia da República, ocorrida em novembro de 2012. De acordo com Boaventura, esses distúrbios “(…) demonstram que, quando as instituições se fecham, a rua é o único lugar onde os cidadãos europeus manifestam o seu divórcio em relação aos partidos políticos  e aos governos.

Por outras palavras, a falência de uma opinião pública faz recuar ou remontar o espaço público à sua origem: a rua. Mas por que razão a rua? Por que razão entendê-la como origem? Por duas razões pelo menos:

1. Porque a rua é espaço não apenas de acesso universal, aberto a todos, mas acumula com esta universalidade a mais conseguida igualdade. A rua não é absolutamente igualitária, mas é, talvez junto com a praia, o espaço público que melhor conserva uma posição igualitária entre todos os que o frequentam. O mesmo não sucede num hospital, onde uns estão doentes e outros tratam, e onde os primeiros podem estar doentes em graus e maneiras muito diversos. O mesmo não sucede numa escola ou numa universidade, onde ganham importância e valor próprio as diferenciações de mérito. Com a rua, na rua, nada disso é esperado a não ser de maneiras secundárias. Há montras com preços obscenamente contrastantes, há esplanadas e restaurantes inacessíveis às bolsas da esmagadora maioria, há salas de espectáculos extremamente elitizadas. Ainda assim, a rua que permite o acesso a todos estes espaços permanece de todos e a todos acessível.

2. Porque a rua a todos acessível e igualitária é ela mesma acesso a todas as formas de espaço privado e público é também o lugar por excelência da verificação da desigualdade e da igualdade. É, por isso, o local simbolicamente mais adequado para se fazer o contrato social e se inaugurar o político.

A resiliência da rua é, aliás, apontada por Boaventura de Sousa Santos ao afirmar que “a rua é o único espaço público que não está colonizado pelo capital financeiro”.

A famosa frase de Marcelo Caetano – “para o poder não cair na rua” – aquando da sua rendição a Spínola resume o embate entre o poder da rua, de destruição de uma ordem construída, regresso à origem constituinte, fundacional, e essa precisa ordem constituída que resiste à sua desordem – o poder solidamente construído.

A rua não pode, contudo, contentar-se com a posição de lugar de protesto, resistência, até mesmo dissolução. As nossas ruas precisam de tornar a ser lugares de reencontro igualitário entre anónimos – na  rua reencontramos nos outros os nossos motivos, as nossas esperanças e os nossos objetivos. Trata-se de voltar à rua para restaurar o convívio nascente que faz uma comunidade viva.

Os meios da austeridade: supressão, redução e repressão

A mensagem central da austeridade foi a de que não havia alternativa à sua política. Por razões imputáveis às pessoas e aos seus estilos de vida, não era mais possível garantir uma efectiva capacidade de escolha às pessoas. Aliás, apenas a política de austeridade poderia restaurar a capacidade de escolha política e, portanto, a normalidade democrática.

Foi com base nesta linha de argumentação que a austeridade agiu politicamente, diga-se de passagem com bastante eficácia persuasiva. A tese de que não havia outro caminho, tornava despropositada, contraproducente, até irresponsável a ideia de uma escolha. Ilusões de outros caminhos só serviriam para demorar e dificultar o caminho que era urgente fazer-se, sob pena de um maior agravamento da circunstância, com consequências ainda mais profundas na vida das pessoas.

Ao suprimir os objetos de uma escolha alternativa, a austeridade evitava reprimir diretamente os sujeitos. Estes ainda podiam escolher, só não havia realmente o objeto de escolha desejado. Havia liberdade, só não havia, ou não podia haver, pluralismo. Contudo, o resultado líquido acabava por ser exatamente o mesmo: negar o exercício da escolha alternativa. Que importa poder-se de direito o que não se pode de facto?

Mas esta supressão do objeto de escolha desejado não se justifica apenas por não ser tão ostensiva quanto o seria uma prática repressiva. É uma supressão politicamente mais profunda, de recorte psicanalítico, que visa o próprio desejo do objeto de escolha. Para a austeridade, o crucial é o princípio da realidade levar de vencida o princípio de prazer a uma escala social. Suprimir não apenas o objeto de escolha enquanto realidade, mas mesmo enquanto mero objeto de desejo, através de uma exigência socialmente acatada de crescimento da sociedade em geral e das pessoas em particular para um comportamento mais adulto e menos imaturo. E desta maneira a democracia é desativada no seu momento vital da escolha tanto por fora como por dentro das consciências cidadãs. O espírito de seriedade da austeridade mais não representou do que uma forma de auto-legitimação capaz de substituir todas as outras formas de legitimação política. E como uma forma de motivação pedagógico-paternalista, com a intenção de tutelar todas as outras formas de motivação.

Seja qual for o quadro de sentido que lhe sirva de justificação, o que esteve sempre em causa nesta acção supressora que tem caraterizado a austeridade foi alcançar um resultado tão politicamente incapacitante quanto o que a acção política de caráter repressivo alcançaria. No caroço dos factos, abstraído o colorido da persuasão política, não há, pois, verdadeira opção entre a supressão dos objetos de uma escolha alternativa e uma repressão dos sujeitos que escolhem. Dois exemplos recentes dão bem conta de como, em vista dos mesmos fins, a austeridade até agora monista se tem encaminhado, de consciência tranquila, para a forma mais assumida de uma austeridade autoritária. Em Espanha, a “lei da mordaça” reduziu drasticamente a liberdade do protesto de rua. Na Grécia, a pressão direta do FMI nos últimos dias reduziu a liberdade de escolha do parlamento nacional no momento da escolha do presidente do país. Depois da supressão do pluralismo, estes exemplos fazem prova de um processo em curso de redução de liberdades, e que é a antecâmara que prepara um quadro de legitimidade para a repressão com os seus meios de violência sobre os sujeitos de cidadania.

A conclusão não podia ser mais clara: a austeridade nunca quis bem à liberdade de escolha política dos cidadãos. E disso tira consequências logo que lhe convém.