O Serviço Nacional de Saúde (SNS), como todos concordarão, é uma das conquistas fundamentais da nossa Democracia mas é, também, um exemplo de como um serviço público pode ter um excelente desempenho. Na verdade, foi este SNS que permitiu que Portugal atingisse, em relativamente poucos anos, excelentes indicadores de saúde que nos colocaram nos primeiros lugares a nível mundial, superando mesmo alguns países considerados mais desenvolvidos.
Mas, o que se tem verificado nos últimos anos, é um brutal desmantelamento deste SNS, resultado de vários factores, alguns dos quais são pouco conhecidos da população em geral, mas são esses, a meu ver, que constituem o golpe mais profundo que se está a desferir no SNS e que, se não for invertido, levará inevitavelmente ao seu desmembramento, sem retorno fácil.
Já é amplamente conhecido de todos que houve uma drástica redução no financiamento do SNS, com consequências graves no funcionamento de muitos serviços (e recordo que, mesmo com elevados índices de eficácia, o nosso SNS é o que gasta menos dinheiro/cidadão, na UE) e, por outro lado, continua a assistir-se à emigração de profissionais de saúde, que já atingiu números preocupantes.
No entanto, o que eu quero aqui sublinhar é que a qualidade do SNS se deve, em grande parte, ao elevado nível de exigência na formação dos profissionais de saúde, tanto médicos como enfermeiros, sendo reconhecida internacionalmente a qualidade tecnico-científica dos nossos especialistas. No âmbito das Carreiras Médicas, os médicos passam por uma série de etapas de avaliação, através de concursos públicos, que vão reconhecendo a sua gradual diferenciação, numa hierarquização do conhecimento e da experiência. E assim se constituem equipas coordenadas pelos médicos mais diferenciados e experientes e que integram também os médicos em formação.
Ora, presentemente estão a ser destruídas equipas médicas e também de enfermagem de excelência. Muitos serviços, nomeadamente os serviços de urgência, estão a funcionar com base em médicos contratados, através de empresas privadas, como tarefeiros, a horas ou a dias, sem qualquer vínculo às instituições e sem qualquer possibilidade de continuidade no acompanhamento posterior dos doentes. Estes médicos contratados são habitualmente menos diferenciados, não há qualquer critério relacionado com o mérito na sua contratação e, para espanto (ou não) de todos, o seu preço/hora é superior ao de qualquer médico da carreira hospitalar. Por isso está-se a gastar mais dinheiro com menos qualidade!
Mas tudo isto é feito com o pretexto de reduzir custos e salvar o SNS!
Também muitos enfermeiros experientes estão a ser substituídos por outros, mais jovens e inexperientes, mais mal pagos e com contratos precários, que se vêem sem apoio e o necessário enquadramento.
Outra grande preocupação é a formação médica.
Os hospitais estão a esvaziar-se de médicos altamente qualificados e experientes. Estão desmotivados com a deterioração dos cuidados de saúde e com as gestões hospitalares, cada vez mais economicistas e baseadas em contratos de programa, por vezes completamente desfasados das necessidades das populações.
Com o afastamento dos médicos mais experientes, com a destruição de equipas médicas hierarquizadas e multidisciplinares, com a restrição financeira em áreas chave, como iremos formar os futuros especialistas deste país?
E, inacreditavelmente, todas as medidas que têm sido implementadas são anunciadas com o propósito de salvar o SNS!
Mas, como é lógico, visam não só o seu desmantelamento, como o fortalecimento da medicina controlada pelos grandes grupos económicos. Há ainda muitas pessoas que não estão muito preocupadas com esta situação e consideram que um seguro de saúde é uma boa alternativa ao SNS. No entanto esquecem-se que, se tiverem uma doença grave, não há plafond nem sequer fortuna pessoal que garanta os tratamentos necessários. Recorrerão, então, ao serviço público mas, nessa altura, ele já será apenas um mero serviço assistencialista, com cuidados de baixa qualidade, incapaz de dar resposta às suas necessidades.
É fundamental, por isso, que:
- Se restabeleçam as condições para a existência de um Serviço Nacional de Saúde exigente, com financiamento adequado, constituído por profissionais competentes e credenciados.
- Se garanta uma formação médica rigorosa e contínua que possa responder às necessidades de uma medicina altamente qualificada e diferenciada.
- Se criem as condições de trabalho que permitam reter no Serviço Público os profissionais mais experientes e capazes, garantindo cuidados de saúde de qualidade a todos os cidadãos, independentemente da sua condição socio-económica.
Texto de: Teresa Silva