Crueldade institucional

Soube ontem que estaria para ser libertado o último dos “Três de Angola”, Albert Woodfox. O activista dos Panteras Negras – que lutavam pela melhoria das condições de vida dos prisioneiros na prisão de alta segurança no Luisiana, nos EUA – preso em 71 por assalto à mão armada, foi acusado pelo homicídio de um guarda prisional no contexto de um motim e esteve desde 72 – 43 anos – em solitária. Não escrevo este texto para analisar a probabilidade da sua culpa, ou sequer o sentido que faz um terceiro julgamento a que se arrisca, dado o Procurador-Geral ter intenção de voltar a levar o caso a julgamento, depois do juiz ter decretado a sua libertação imediata e aconselhado o Ministério Público a desistir (dada a impossibilidade de julgar o arguido com imparcialidade no Luisiana).
Escrevo este artigo para chamar à atenção para a crueldade com que esta pessoa foi tratada, independentemente da sua potencial culpa.
Por um lado, falamos de um indivíduo cujas duas condenações foram anuladas mas que, apesar disso, se manteve preso durante mais de 40 anos. A somar a isto, a sua libertação “imediata” acaba de ser adiada até sexta-feira e há a possibilidade de se manter preso sem culpa provada novamente, à espera do suposto terceiro julgamento. Ou seja, temos um suspeito que já cumpriu quatro décadas de prisão. Não sei qual seria a sua pena pelo crime por que foi de facto condenado – o assalto à mão armada – mas estou certo que nem de longe teria qualquer aproximação a isto.
Por outro lado, lembro que esta pessoa passou estes 43 anos em solitária. Que justificação poderá haver para tal coisa, que não a vingança das autoridades, seja pelo suposto homicídio seja pela exposição dos maus tratos aos prisioneiros? Têm medo que seja violento para outros presos? Não. Têm medo que fuja? Que organize motins? Eu diria que é para isso que há guardas prisionais. Então porque raio se sujeita um ser humano a uma situação de isolamento total, 23 a 24 horas por dia, num espaço de 1,82 metros por 2,70 metros (segundo outro dos Panteras, anteriormente libertado)?

Crueldade. Totalmente inaceitável, mas institucionalizada, ao ponto de isto poder ocorrer ao longo de décadas e de poder ser mantido mesmo após anulação de penas por tribunais de instâncias superiores. O tema das condições de vida dos presos ainda é demasiado tabu. Este caso ilustra como é tão importante que deixe de o ser, em todo o mundo.

(mais na notícia do Público, aqui)

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