A mensagem central da austeridade foi a de que não havia alternativa à sua política. Por razões imputáveis às pessoas e aos seus estilos de vida, não era mais possível garantir uma efectiva capacidade de escolha às pessoas. Aliás, apenas a política de austeridade poderia restaurar a capacidade de escolha política e, portanto, a normalidade democrática.
Foi com base nesta linha de argumentação que a austeridade agiu politicamente, diga-se de passagem com bastante eficácia persuasiva. A tese de que não havia outro caminho, tornava despropositada, contraproducente, até irresponsável a ideia de uma escolha. Ilusões de outros caminhos só serviriam para demorar e dificultar o caminho que era urgente fazer-se, sob pena de um maior agravamento da circunstância, com consequências ainda mais profundas na vida das pessoas.
Ao suprimir os objetos de uma escolha alternativa, a austeridade evitava reprimir diretamente os sujeitos. Estes ainda podiam escolher, só não havia realmente o objeto de escolha desejado. Havia liberdade, só não havia, ou não podia haver, pluralismo. Contudo, o resultado líquido acabava por ser exatamente o mesmo: negar o exercício da escolha alternativa. Que importa poder-se de direito o que não se pode de facto?
Mas esta supressão do objeto de escolha desejado não se justifica apenas por não ser tão ostensiva quanto o seria uma prática repressiva. É uma supressão politicamente mais profunda, de recorte psicanalítico, que visa o próprio desejo do objeto de escolha. Para a austeridade, o crucial é o princípio da realidade levar de vencida o princípio de prazer a uma escala social. Suprimir não apenas o objeto de escolha enquanto realidade, mas mesmo enquanto mero objeto de desejo, através de uma exigência socialmente acatada de crescimento da sociedade em geral e das pessoas em particular para um comportamento mais adulto e menos imaturo. E desta maneira a democracia é desativada no seu momento vital da escolha tanto por fora como por dentro das consciências cidadãs. O espírito de seriedade da austeridade mais não representou do que uma forma de auto-legitimação capaz de substituir todas as outras formas de legitimação política. E como uma forma de motivação pedagógico-paternalista, com a intenção de tutelar todas as outras formas de motivação.
Seja qual for o quadro de sentido que lhe sirva de justificação, o que esteve sempre em causa nesta acção supressora que tem caraterizado a austeridade foi alcançar um resultado tão politicamente incapacitante quanto o que a acção política de caráter repressivo alcançaria. No caroço dos factos, abstraído o colorido da persuasão política, não há, pois, verdadeira opção entre a supressão dos objetos de uma escolha alternativa e uma repressão dos sujeitos que escolhem. Dois exemplos recentes dão bem conta de como, em vista dos mesmos fins, a austeridade até agora monista se tem encaminhado, de consciência tranquila, para a forma mais assumida de uma austeridade autoritária. Em Espanha, a “lei da mordaça” reduziu drasticamente a liberdade do protesto de rua. Na Grécia, a pressão direta do FMI nos últimos dias reduziu a liberdade de escolha do parlamento nacional no momento da escolha do presidente do país. Depois da supressão do pluralismo, estes exemplos fazem prova de um processo em curso de redução de liberdades, e que é a antecâmara que prepara um quadro de legitimidade para a repressão com os seus meios de violência sobre os sujeitos de cidadania.
A conclusão não podia ser mais clara: a austeridade nunca quis bem à liberdade de escolha política dos cidadãos. E disso tira consequências logo que lhe convém.