Não é mentira, mas deveria ser

A Assembleia da República discutiu e chumbou ontem os dois votos de condenação propostos pelo PS e pelo BE em relação à condenação de 17 activistas angolanos. Recorde-se que estes activistas foram condenados, após uma série de peripécias jurídicas, a penas de prisão efectiva sob acusação de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. Isto por estarem reunidos numa leitura à volta do livro “Da ditadura à democracia”. Para além das muitas dúvidas legais sobre o teor da acusação, sobram dúvidas sobre a arbitrariedade da decisão e das penas atribuídas a cada um dos acusados. Esta decisão, para além se poder revelar um erro táctico por parte do poder angolano, mostra o carácter ditatorial do regime, deixando claro o receio que este sente em relação a qualquer tipo de oposição.

Num comentário na sua página pessoal, Rui Tavares aponta para um aspecto fundamental: “Ao governo cabe a diplomacia. À Assembleia da República cabe tomar posições políticas, representar os cidadãos e defender a sua liberdade.” O governo, pela voz do MNE foi aliás bem mais assertivo do que o habitual, indicando esperar que o restante do processo judicial “obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às autoridades constituídas”. Infelizmente, essa defesa da liberdade e do Estado de direito não foi ontem promovida pela casa que representa a democracia em Portugal. Não é mentira de 1 de Abril, mas deveria ser.

Não sendo exactamente uma surpresa, uma vez que vem na sequência de outros votos de condenação similares, não deixa de ser de estranhar, embora por diferentes motivos, a rejeição dos votos de condenação propostos na AR por parte de alguns deputados do PSD e por parte do PCP. Do lado social-democrata, deputados como Duarte Marques apelidaram a decisão do tribunal angolano de “vergonhosa” tendo, apesar disso, votado contra os votos de condenação. A (tentativa de) justificação pode ser lida na sucessão de contradições que é a declaração de voto assinada pelo deputado, juntamente com quatro colegas de bancada. Do lado comunista, os argumentos da não ingerência na política de outros países (um critério claramente ambíguo, tendo em conta outras posições do partido) e do impacto que tal voto poderia ter nas “relações de Portugal com a CPLP e com o continente africano” são pouco convincentes.

Um voto de condenação por parte da AR teria certamente um forte significado político e é impossível não pensar nas potenciais consequências que tal decisão poderia ter em relação aos muitos milhares de portugueses que vivem em Angola. Apesar disso, nenhum negócio, nenhuma compra ou venda e nem nenhuma troca de favores pode justificar o virar a cara à falta de democracia e aos direitos humanos. E é precisamente nesses domínios que Portugal pode e deve tentar assumir um papel destacado em todos os níveis: junto da União Europeia, da ONU e, não menos importante, da CPLP.

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