A vitória de Jeremy Corbyn nas primárias do Partido Trabalhista, antecedida da eleição de Sadiq Khan como candidato do”Labour” à câmara de Londres, veio agitar a política inglesa e cavar um fosso ainda maior entre as duas principais forças políticas britânicas. As reacções de pânico, vindas de dentro e de fora do partido, não se fizeram esperar, tendo a reacção mais extrema sido a de David Cameron que, através de um tuíte, não se coibiu de escrever que o Partido Trabalhista acabara de se tornar uma ameaça à segurança do país(!). Em Portugal as reacções foram mistas, não tendo faltado socialistas a expressar o seu desagrado pela vitória de um “radical” e alguns jornalistas a referir que as eleições se ganham sempre ao centro, pelo que esta era uma prenda para os conservadores.
A vitória de Corbyn – avassaladora, diga-se – não significa que este veterano das lutas políticas e sociais se torne primeiro-ministro. Não significa sequer que chegue a ter a oportunidade de se candidatar a esse cargo uma vez que muitos dos seus companheiros de partido tentarão tudo para o evitar. Apesar disso, a esquerda europeia deve celebrar esta vitória: há muito tempo que um dos principais partidos do centro-esquerda europeu não tinha um líder abertamente de esquerda. Mais, Corbyn partiu para as primárias como um verdadeiro outsider, tendo conseguido atrair muitos novos votantes, provando que quando a mensagem é positiva, os cidadãos voltam a sentir-se atraídos pela política.
Quando muitos lutam pelo diluir dos conceitos de esquerda e direita, esta vitória de um esquerdista assumido é no mínimo refrescante. Bandeiras como a da defesa do Estado Social forte, da ecologia e da oposição ao comércio desregulado foram preponderantes nesta vitória. O Labour, com Tony Blair e a sua terceira via, foi um dos principais responsáveis pelo esmorecer dos partidos socialistas europeus. Com Corbyn à frente dos trabalhistas, talvez o partido se possa agora redimir e indicar um novo caminho, renovando o próprio conceito de esquerda.
A afirmação dos partidos neo-liberais, associada à perda dos ideais socialistas e social-democratas por parte dos partidos que os deveriam defender, fez com que houvesse uma deslocação dos conceitos de centro, esquerda e direita. O que antes era uma banal ideia da esquerda, tornou-se agora numa radical e extremista proposta; do mesmo modo, o que antes era claramente de direita, tornou-se numa moderada ideia centrista. Este novilinguísmo foi-se enraizando com sucesso um pouco por toda a Europa, tanto junto dos cidadãos como da comunicação social. Chegou a hora de inverter este rumo; é urgente um recentramento ideológico. A esquerda tem que assumir o seu papel de contra-peso ao liberalismo e à desregulação e deve ser capaz de, à semelhança de outros momentos históricos, encontrar lutas e causas comuns. Caso falhe este objectivo, a pena será demasiado dura.