Esquerda e Ecologia (5)

A União Europeia consagra o seu ano europeu de 2015 ao desenvolvimento e, segundo o acordado na Declaração do Milénio das Nações Unidas, é neste ano que os oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio deveriam ser atingidos. Se é verdade que foram feitos vários avanços na tentativa de alcance dessas metas, também é o facto de haver ainda um longo caminho a percorrer. A União Europeia, dedicando este ano ao desenvolvimento e à cooperação, deve ter um papel de destaque na promoção do desenvolvimento a nível mundial. Para o fazer, deverá olhar para as suas políticas que, em muitos dos casos, são promotoras das desigualdades entre os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.

Noutra escala, a ONU definiu no final do mês de Setembro os novos objectivos de desenvolvimento a ser atingidos até 2030, apelidando-os agora de Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, indicando assim de forma inequívoca a necessidade de um modelo de desenvolvimento assente na sustentabilidade. Se os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio diziam respeito aos países em desenvolvimento, os novos objectivos de Desenvolvimento Sustentável aplicam-se a todos os países, no que pode ser entendido como uma responsabilização global e partilhada das políticas de desenvolvimento.

As diferenças na qualidade de vida entre os países ricos e os países pobres é evidente. A União Europeia e os seus Estados-Membros, através de ajuda assistencialista ou de verdadeiro apoio ao desenvolvimento, são os principais doadores de ajuda pública ao desenvolvimento. Paradoxalmente, ao promoverem a globalização e os acordos multi-laterais de comércio, contribuem muitas vezes para que os países em vias de desenvolvimento se mantenham na pobreza.

A relação entre economias ricas e economias pobres foi e é extremamente injusta, causando vítimas de ambos os lados. A progressão do liberalismo e a consolidação da globalização vieram aprofundar estas disparidades. Contrariamente ao que se possa pensar, não há provas da correlação entre a globalização e o crescimento/desenvolvimento dos países mais pobres. Há, no entanto, vários exemplos de deslocalizações de fábricas da Europa para países em vias de desenvolvimento, contribuindo para o empobrecimento dos países europeus, que não conseguem competir em termos de custos salariais. Verifica-se pois um efeito perverso, onde por um lado se criam – e bem – leis de protecção social e ambiental na Europa e, por outro, se promove a remoção de barreiras alfandegárias, o que permite que países com pouca ou nenhumas garantias de segurança social e ambiental exportem os seus produtos para a Europa.

São vários os exemplos da perversidade deste sistema, desde as ameijoas que, após a captura em França, são enviadas para a China para limpeza, para voltarem para ser consumidas em França, até às fábricas que produzem produtos de marcas europeias sem qualquer controlo de segurança ambiental ou social, culminando em acidentes como o de Rana Plaza, no Bangladesh, onde mais de mil pessoas que trabalhavam para empresas como a Benetton ou o El Corte Ingles perderam a vida. Há outros exemplos ainda mais claros, como o dos tomates produzidos em Itália, que chegam ao Gana a preços muito abaixo do conseguido naquele país, destruindo a produção local e tendo como resultado a emigração de ganeses que antes trabalhavam nos campos do seu país para… Itália.

O regresso ao proteccionismo absoluto e ao “orgulhosamente sós” não é, certamente, a solução. No entanto, o desenvolvimento a nível mundial só será uma realidade quando a raiz dos problemas da globalização for enfrentada. No que à troca de bens e serviços diz respeito, é fundamental que os custos ambientais e sociais sejam incluídos no preço final. Devem ser pensadas medidas de desglobalização, que façam com que os produtos transaccionados que não respeitem os padrões ambientais e sociais sejam taxados de forma mais elevada, premiando os produtos locais, bem como aqueles que, importados, se esforçam no seu cumprimento desses requisitos e possuem algum tipo de etiquetagem para o comprovar. O desenvolvimento mundial, em todas as suas dimensões, deve ser um dos principais objectivos de todos os países. A União Europeia, pela sua dimensão e políticas de promoção do desenvolvimento, deve afirmar-se como o principal actor nessa mudança. Não bastam, no entanto, medidas mais ou menos pontuais de apoio. É necessária uma verdadeira alteração do paradigma que combata e inverta os efeitos perversos da globalização.

A principal ameaça social, económica e ambiental que actualmente enfrentamos tem uma sigla: TTIP. A sigla está para Transatlantic Trade and Investment Partnership, sendo que os franceses também lhe dão um nome que talvez faça mais juz à realidade, apelando esta parceria de “grande mercado transatlântico”. De forma resumida, o TTIP pretende criar uma zona de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia, tornando-se assim a maior a nível mundial. Como é claro, tentar-se-á equilibrar as leis do modo mais fácil, ou seja, recorrendo ao mínimo denominador comum. As ameaças são várias: direitos dos trabalhadores, segurança alimentar, privacidade pessoal e ambiente e clima. A juntar-se a tudo isto temos os tribunais especiais para resolver diferendos entre as empresas privadas e os Estados (ISDS) que fazem destes últimos reféns das vontades das empresas privadas. Não faltam exemplos de situações em que empresas privadas recorreram a estes mecanismos ao abrigo de tratados de livre comércio entre países, desde a Philippe Morris que processou o Estado australiano pelas suas medidas anti-tabagistas até à queixa apresentada pela francesa Veolia contra o Egipto por este ter introduzido um salário mínimo no país.

É essencial repensar as escalas. É preciso voltar a apostar de forma séria e continuada na produção local e de proximidade, olhar para o sector cooperativo com novos olhos e como modelo de futuro, apostado na partilha de bens e de serviços e de baixo impacto ambiental. É preciso integrar a ecologia no modelo industrial, apostando na economia circular e nos eco-parques industriais. A tecnologia pode e deve ter um papel preponderante, não como ferramenta de precarização do trabalho, mas como utensílio de inovação e desenvolvimento. A esquerda pode assim encontrar a sua luta comum, na defesa da coesão territorial e num modelo de desenvolvimento diferente, social e ambientalmente sustentável.

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