A propósito de Agenda Inadiável, uma sexta-feira treze para a Europa.

Pat Cox, antigo Presidente do Parlamento Europeu, 15 anos de assento parlamentar na Europa, actual presidente da Fundação Jean Monnet para a Europa, economista irlandês, primeiro secretário-geral dos Democratas progressistas na Irlanda, passou por Lausanne a semana passada.
Sou ignorante sobre os seus contributos passados, mas o senhor comprou uma batalha de opinião pública na Suíça, uma espécie de laboratório intelectual económico da Alemanha, e é esta cauda de cometa que interessa para a nossa história.
Na UNIL, Universidade de Lausanne, Pat Cox denunciou a política de austeridade:
“O plano de resgate grego serviu os bancos franceses e alemães, assim como os gregos ricos, e não a população grega. A Europa fez falsa manobra. Para sair desta crise sem fim da dívida que ameaça modificar definitivamente a opinião pública sobre qualquer sonho europeu, é urgente relançar o investimento e lutar contra o desemprego massivo dos jovens. (…). A Europa precisa de uma nova era Monnet.”
Este discurso poderia passar despercebido não fosse a presença e intervenção do Embaixador da nação “indispensável”, Otto Lampe: “Nasci em 1951 na esperança de ver realizado os Estados-Unidos da Europa. Por ora ela não existe: não há nem união económica, nem fiscal. Contrariamente ao que defendem os advogados do relançamento económico, não há margem de manobra fiscal para os investimentos sem aumentar a dívida das gerações futuras. O Senhor esqueceu a dimensão política e de paz da Europa no seu discurso. Sou Embaixador da Alemanha, e jamais serei representante de uma nação hegemónica”, concluiu secamente.

Pat Cox defendeu-se:
– “Sim, um plano de relançamento alemão de 14-15 mil milhões não alterará nada na Europa, mas rigor sim, rigidez não.

Já em Dezembro de 2014 o Presidente Irlandês – Michael D. Higgins – havia feito um discurso memorável  e de grande profundidade em pensamento económico, contra a austeridade, na Universidade de Chicago, berço do pensamento neo-liberal.

Aqui temos duas figuras maiores da política Irlandesa, país que é suposto ser o caso de sucesso da austeridade, a praticarem diplomacia contra a austeridade, e em nome da Europa.

Em Outubro de 2014, Mark Blyth explicou na Gulbenkian em que medida o caso Irlandês é um caso de sucesso. Assente em factos e em métodos de inferência de causalidade, como só os escoceses e alguns ingleses o sabem fazer, demonstrou como a Irlanda se conseguiu reerguer não por causa, mas apesar, da austeridade. Atraindo multinacionais com pacotes fiscais. E talvez seja cedo para falar de sucesso. Quintuplicou a sua dívida e perdeu 50 000 licenciados por ano durante 5 anos, numa população de 4,7 milhões. 62% dos agregados familiares têm rendimentos abaixo da média da população, €56,500, i.e. a média é puxada para cima pelos 2% com maiores rendimentos.

Por coincidência, na sexta-feira treze a Islândia retirou o seu pedido de adesão à UE. Para lá de desacordos sobre a política agrícola e da guerra da Cavala, a Europa já não é atraente; nem mesmo quando somos 320’000 almas penadas sobre um icebergue a flutuar em magma. Depois de em 2010 terem mandado os credores ingleses e holandeses passear, e sobrevivido; depois do governo de Johanna Sigurdardottir ter apurado as contas, ter aceite um plano de rigor do FMI, ter gerido o crédito externo e reerguido a economia, uma vaga nacionalista varreu o país. Com uma taxa de desemprego em 3%, o turismo em plena expansão e a dívida privada sobre bens imobiliários parcialmente resolvida, estimam não mais precisar da Europa. Contentam-se em fazer parte do espaço sem passaporte, Schengen, e da NATO.

Esta lenga-lenga toda para apelar, caríssimos libertários portugueses, que a ordem de trabalhos número 1 da Agenda Inadiável de qualquer futuro governo Português não pode deixar de ser outra que o processo contra a Troika junto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Também pode ser contra a Comissão Europeia, o BCE e o FMI. E podemos acabar todos à mesa numa conferência Europeia sobre a dívida. Só que quanto mais observo o tabuleiro de jogo aqui do centro da Europa, mais me convenço que temos que saltar com o cavalo em L e comer o bispo.
Só nesta ágora conseguimos fazer o agora. Só em semelhante fórum é possível trazer para cima da mesa toda a verdade dos factos, e com a calma necessária. Não há tempo, tantos para portugueses como para a própria Europa, para jogadas de xadrez intermináveis. Os gregos estão a fazer o que podem, e têm avançado, mas não é suficiente, e não suficientemente rápido. O cavalo Lusitano tem que aparecer.
As reuniões do eurogrupo são superficiais, banais, bocejais. Analisam-se apenas cenários económicos com estimativas de impacto nas finanças públicas, quando esta é também uma discussão de história. O ministro das finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, e presidente do eurogrupo, disse na sexta-feira treze – “Na Grécia, a responsabilidade dos problemas é demasiadas vezes atirada para fora da Grécia, e a Alemanha tornou-se a principal vítima.”

Como quando um casal se divorcia. Há todo um jogo para imputação de responsabilidades, e sobre a sua proporção. A carga emocional passada é demasiada para se tomarem boas decisões, de ambos os lados. E as crianças que se lixem. Chame-se a Justiça, o Mediador. Os gregos lembram que a Alemanha lhes deve 163 mil milhões em reparações de guerra. Portugal deve lembrar que a ex-Troika o coarctou a assinar um consentimento (des)informado para a toma de um medicamento teratogénico para o qual ainda por cima não tinha indicação. Entre 2009 e 2012 por cada 1 euro não gasto de Orçamento do Estado, para cumprir com a política de austeridade, perdemos 1,4 euros de riqueza. A correlação entre austeridade e aumento da dívida é de 0,966 (quanto mais perto de 1 maior o factor “austeridade” explica a variação observada no factor “dívida” em relação a outros factores que poderiam potencialmente explicar esta variação). Isto, associado à consistência na replicação dos efeitos da austeridade na história – Argentina, Brasil, Chile, Equador, Bolívia, Bielorrússia – é evidência de causalidade. Para lá do impacto no PIB, ainda não estimámos, ainda que o sintamos bem na pele, o seu impacto socioeconómico.
Não fazermos este trabalho colectivo é perder a oportunidade de sanar os bancos, um pilar essencial da vida económica, é perdermos a oportunidade de corrigir o que tem que ser corrigido, é tornarmo-nos menos competitivos. É definharmos na própria auto-sabotagem.

Se isto é primeiro mundo, quero justiça à terceiro, à Africana, a restaurativa, e os seus Conselhos de Verdade e Reconciliação.

Não temos distância temporal para fazer este trabalho? Chamem os canadianos, suíços ou suecos.

Um programa eleitoral de baixo para cima?
Todos nós, Europeus, queremos clareza e resolução nesta matéria. O Ricardo Paes Mamede e o seu meritório esforço pedagógico para explicar a complexidade das operações bancárias que estiveram na origem da crise, da sua propagação e amplificação, não chegam ao eleitorado de Wolfgang Schäuble. Penso que estamos todos cansados de mentiras, que sacudam a água do capote, e do barulho da desinformação;
Evitar votações prematuras em processo de democracia deliberativa, para clarificação suficiente do significado e implicações das alternativas?
Há um ano atrás achava que esta ideia de colocar a Troika em tribunal, que constava do programa do Livre às Europeias, era uma daquelas à esquerda radical. Hoje acho inadiável, e deve fazer parte de uma agenda responsável de qualquer partido português, que esteja realmente interessado em servir o país. O pior que pode acontecer é o status quo ou sermos convidados a sair do Euro, em que é que isto é diferente do caminho onde estamos?
Um programa eleitoral é uma declaração de objectivos e de expressão de determinação em lutar por eles?
Então que nele conste – depositar processo junto do TJUE nos primeiros 90 dias de governação;
Um programa eleitoral deve afirmar “o quê” e “o como”?
O quê já sabemos, o porquê também. O como não sei, não sou jurista e menos ainda especialista em direito comunitário. Dizem-me que não há caso porque o nosso governo foi democraticamente eleito. Não me conformo, são as leis que servem os homens e não o seu contrário, por isso precisamos de legitimidade democrática e de 90 dias para trabalhar na estratégia jurídica.

Colocar a ex-troika, ou as instituições que a compunham, em tribunal, é reparar-nos a todos. É tão radical quanto uma cirurgia o é. É o que tem que ser. E o que tem que ser, tem muita força.

Texto de : Luísa Álvares

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