Esquerda e Ecologia (1)

Historicamente, a relação da esquerda com a ecologia não foi pacífica. A visão clássica de uma esquerda assente na classe operária, empregada sobretudo em unidades fabris, implicava a necessidade de um aumento constante da produção e, por conseguinte, uma crescente necessidade de recursos. Esta visão produtivista e extractivista dificilmente se coaduna com uma visão ecologista que tem como princípio a relação harmoniosa entre todos os integrantes dos diferentes ecossistemas. O evoluir da consciência ecologista nas sociedades e a degradação a ritmo acelerado de alguns ecossistemas, bem como as provas inegáveis do profundo impacto das actividades humanas em relação às alterações climáticas, veio alterar o posicionamento de uma parte da esquerda. Há, no entanto, um longo caminho que ainda deve ser percorrido e torna-se fundamental demonstrar que esquerda e ecologia não são conceitos antagónicos nem sequer paralelos, mas sim conceitos que podem e devem ser integrados.

Quando se pensa no futuro, há um princípio que deve ser claro: os recursos naturais são finitos e, como tal, tornar-se-ão cada vez mais escassos. Este pressuposto deve ser a base de qualquer discussão sobre as políticas de desenvolvimento e é errado pensar-se que os avanços tecnológicos poderão, pelo aumento da eficiência na necessidade de consumo de recursos, ser uma solução para este problema. A grande maioria das propostas dos partidos, da direita à esquerda, assenta no aumento do crescimento económico como o rumo a seguir. Há dois problemas associados a esta visão: 1) o crescimento económico a que os países se habituaram no período pós-guerra dificilmente se voltará a repetir e 2) actualmente o crescimento económico está intrinsecamente associado ao aumento do consumo e, por conseguinte, da produção e extracção de recursos.

Torna-se assim essencial o surgimento de uma esquerda que não tenha no crescimento económico o seu alfa e ómega e que, embora reconhecendo a sua importância, consiga pôr o conceito de prosperidade em primeiro lugar. No seu excelente livro/ensaio “Prosperidade sem crescimento”, Tim Jackson explica o paradoxo da satisfação mostrando que acima de um determinado valor de PIB per capita deixa de haver uma correlação entre esse valor e a felicidade e satisfação com a vida. Ou seja, um país pode registar crescimento económico e, nesse processo, ver a felicidade e a realização dos seus cidadãos ser reduzida, estando até a contribuir para o aumento dos problemas sociais e de saúde. Os factores ambientais estão também eles completamente excluídos no conceito de crescimento económico, sendo que não são raros os exemplos em que grandes acidentes e catástrofes ambientais contribuíram para o aumento do PIB e, por conseguinte, aumento do crescimento do país. No que diz respeito à relação entre os factores económicos e os factores sociais, é incomportável um indicador de crescimento que não inclua a distribuição dos rendimentos. Este aspecto é particularmente importante para o caso português onde a desigualdade entre os rendimentos tem vindo a aumentar. As consequências dessa desigualdade são várias, como por exemplo o aumento do índice de problemas de saúde e sociais ou ainda o aumento da percepção de corrupção, que tantas vezes é apontada como a causa principal de todos os problemas do país.

A esquerda pode e deve ser pioneira na defesa da prosperidade em lugar do crescimento económico. Este conceito prova ser tão mais necessário quanto as desigualdades não param de aumentar, em Portugal e no planeta. No caso português, os últimos anos registaram um forte aumento nas desigualdades a vários níveis: rendimentos, oportunidades, acesso aos serviços públicos, entre outros. A defesa de uma política ecologista de esquerda deve apostar na coesão territorial, devendo para tal valorizar os recursos naturais disponíveis em todo o país, adaptando-se às suas especificidades. Deve também ter como prioridade garantir melhor distribuição dos recursos por todos os cidadãos. O apoio do Estado a esta economia de proximidade é, neste capítulo, essencial a vários níveis: 1) promoção das compras públicas ecológicas, privilegiando os produtos locais; 2) apoio e auxílio ao sector cooperativo e micro e pequenas e médias empresas; 3) transição energética, passando o investimento das grandes barragens para o apoio ao desenvolvimento de energias renováveis, bem como à melhoria da eficiência energética e da micro-geração. Deste modo a ecologia política pode e deve ser uma ferramenta de maior justiça social e de combate às desigualdades.

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6 thoughts on “Esquerda e Ecologia (1)

  1. Jorge, gosto muito do teu artigo. É justo e oportuno introduzir a dimensão ecológica no âmago do pensamento da esquerda, não como mais um capítulo, mas como dimensão estruturante e condição sine qua non de justiça social. Mais do que isso:sendo a esquerda, como é, internacionalista, é fundamental que a reflexão ecológica e anti-extrativista denuncie antes de mais a injustiça das desigualdades entre o Norte e o Sul do planeta!

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  2. Caro autor,

    Artigo bonito e bem intencionado porém errado. As medidas que aponta apenas contribuiriam para o retrocesso e aumento da pobreza e desigualdade.

    cumps

    Rui SIlva

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    1. Caro Rui,

      Agradeço o seu comentário. Se puder detalhar um pouco mais, talvez lhe possa responder. Caso contrário, não entendo em que se baseia para dizer que estas medidas “contribuiriam para o retrocesso e aumento da pobreza e desigualdade”.

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      1. Caro Jorge Pinto,
        A sua análise é uma análise que se tornou recorrente desde o inicio da Revolução Industrial.
        Sempre tem surgido inúmeros casos não só de intelectuais de várias áreas como até de cientistas,que preveem tempos catastróficos para a Humanidade. O mecanismo intelectual é por norma:
        O “desenfreado” desenvolvimento levará ao esgotamento dos recursos naturais.
        Todas estas previsões se tem revelado falsas. Veja por exemplo o mais recente desenvolvimento no mercado do petróleo. Já na década de 70 do seculo passado e considerando os consumos á época, o petróleo acabaria nos anos 90. Apesar do aumento espetacular do consumo, a previsão do esgotamento revelou-se mais uma vez falsa. Neste momento os produtores já não tem lugar para armazenar o petróleo que produzem…
        Veja também as previsões do crescimento populacional ( se não me engano o limite dos limites seria 2MM ) e do consequente esgotamento dos solos que previam fome generalizada. Já vamos em quase 7MM e a abundancia nunca foi tão grande.

        E tantas outras previsões catastróficas que invariavelmente se revelam falsas ( a mais recente é o aquecimento global devido a razões antropológicas).

        Quanto a mim o erro destas previsões devem-se ao facto de apenas se considerar o conhecimento da época em que essa previsão é feita. Nunca é considerado o conhecimento futuro, tarefa que ,como é evidente é impossível, pois se conhecêssemos o futuro este passaria a ser presente…

        Mais recentemente estas causas foram apadrinhadas pela “esquerda” que quanto a mim aqui encontrou uma maneira de atacar o capitalismo, travestido de ecologia.

        Caro Jorge Pinto, não sei se existe ou não mais desigualdades. No entanto essa não deve ser a nossa principal preocupação. Veja que o Capitalismo foi a sistema que tirou milhões da pobreza.
        A principal preocupação deve ser o nível de vida. Veja que hoje em dia uma pessoa pode ser considerada como estando no limiar da pobreza tendo casa, carro, telemóvel, etc, etc. Um “remediado” de hoje vive muito melhor e com acesso a um nível de vida superior que qualquer monarca europeu do seculo 18.

        Ou seja , e em resumo que já vai longa a minha colaboração:

        Se tomarmos medidas para limitar o crescimento e forçando a uma melhor distribuição podemos estar a atrasar as soluções que serão “inventadas” e que permitiriam resolver os problemas de que você chama a atenção. E isso com as melhores das intenções.

        Cumps

        Rui SIlva

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  3. Olá Rui,

    Agora temos base para discutir. Permita-me dizer que não concordo com a sua afirmação inicial. Aliás, começo o meu texto dizendo precisamente que a esquerda nunca teve grande preocupação em relação às questões de sustentabilidade ambiental.

    O que se dizia nos anos 70 não era que o petróleo iria acabar mas sim que iríamos atingir o seu pico – e não faltam cientistas que acham que esse pico já foi atingido. O que vem a seguir? Novas formas de extracção e muito mais perigosas e poluentes: extracção dos fundos oceânicos, extracção do gás de xisto através de “fracking” e extracção a partir de areias betuminosas. Ou seja, acho que essas previsões acabaram por se concretizar.

    Como é lógico, não sabemos se de um dia para o outro não surgirá uma nova tecnologia que resolva todos os nossos problemas. No entanto, como também refiro no texto, não acho que possamos estar à espera dessa solução e continuar a viver como se nada fosse. As alterações climáticas são uma realidade. Não falamos de cenários hipotéticos, falamos do dia de hoje e do futuro próximo.

    Um abraço

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